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sábado, 3 de outubro de 2020

Cuidado: O excesso de Inclusão pode matá-la (Cap. 3)

 Este é a última de três reflexões que vos deixei para que possam refletir e formar as vossas ideias e posições. Foram três textos/capítulos e que pretendem fazer uma análise pessoal do estado da Educação Inclusiva em Portugal, à luz do novo diploma legal assim denominado, dois anos após a sua implementação. Aconselho a leitura dos três capítulos como um todo.



CAPÍTULO 3

O gato escondido

 

Falar de Inclusão, mas mitigar investimento.

Esta lei aparece ingénua em termos de investimento, fazendo crer que se promove mais e melhor inclusão com os mesmos, ou até menos recursos. Pior, deixa portas abertas ao desinvestimento, sob o pretexto de aumento de Inclusão. Quer defendendo respostas mais gerais e Universais para quem precisa de respostas específicas; quer criando a ilusão que tudo pode ser feito de forma indireta com aconselhamento da Educação Especial, entre outras situações que na prática resultam em menos investimento, como por exemplo:

a)   Horas para apoio personalizado.

Começa, desde logo, pela poupança nos recursos de apoio, acabando com a medida anterior denominada Apoio Pedagógico Personalizado, com a tutela a insistir que se usem para estes alunos com NEE as medidas genéricas de apoio existentes que não cuidam das suas especificidades. Desta forma torna-se difícil às escolas afetarem recursos para um apoio pedagógico mais personalizado quer fora, quer dentro da turma.

b)   Redução de turmas.

Outro efeito desta lei foi a diminuição do número de turmas reduzidas. Ao introduzir-se as Medidas Universais, retirou-se da esfera da redução de turma uma grande massa de alunos, com necessidades específicas, que anteriormente tinham medidas do Dec. Lei 3/2008 e um PEI. Ao terem agora Acomodações Curriculares, não acedem a um RTP, logo não reduzem turmas.

c)   CRI.

Muito já se falou nos CRI, sabendo-se hoje como deveriam funcionar centrados nas escolas e não geridos por instituições, mas essa mudança não aconteceu, nem tão pouco melhorou o seu financiamento. Diz-se que são uma equipa de apoio à escola, mas depois também se diz, que quem precisar de terapias pode ter, só não se sabe com que meios. As horas de técnicos nas escolas têm sido reduzidas anualmente, não porque as verbas sejam cortadas, mas porque simplesmente são as mesmas há largos anos, como há atualização dos salários dos técnicos, o resultado final é ter horários mais pequenos. Para não falar na precariedade das contratações. Insistir nos CRI num tipo de apoio clínico individual e não como equipa de apoio aos professores, é também contraditório num modelo inclusivo.

d)   Apoio direto especializado. 

Esta lei evita ainda falar de apoio DIRETO da Educação Especial, o que levanta a questão de se estar a evitar investir em mais recursos, ou até abrir a porta à sua redução. Podem sempre dizer-nos que na alínea b) do ponto 6 do Artigo 13º, está previsto apoiar o professor da turma. Mas não é a mesma coisa. Se a alínea fosse apoiar “o professor e os alunos”, seria o correto, mas o número de docentes de Educação Especial poderia ser posto em causa. Cria-se a ideia que, mesmo os alunos com graves barreiras ao desenvolvimento e à aprendizagem, não necessitam de ter educação direta pelos docentes de Educação Especial, que aparece apenas como um recurso do tipo consultor e especialista de retaguarda. Procura-se centrar tudo na sala de aula, esquecendo que há efetivamente alunos que não beneficiam em estar dentro de uma sala de aula todo o tempo em todas as disciplinas e para quem o currículo comum se torna um entrave à aprendizagem de ferramentas essenciais para a vida futura e, mesmo em sala de aula, necessitam de alguém para garantir a sua participação. A porta para reduzir professores de Educação Especial está aberta. De momento há situações nas escolas onde, em nome de uma suposta inclusão,  professores de Educação Especial estão a dar aulas, a fazer parcerias em turmas onde não há alunos com necessidade da sua presença, enquanto são deixados em salas dos chamados CAA, alunos com deficiências graves, em grupos com um professor, sem lhes proporcionar a interação e acesso aos ambientes de normalidade que lhes são devidos. Mas mesmo aceitando que a partir de agora os docentes de Educação Especial apenas passem a atuar colaborativamente nas salas junto com os colegas, isso não poderia ser feito com um reduzido corpo de professores dimensionado para alunos específicos. Seria bom avaliar o número de professores de Educação Especial, antes do presente diploma e agora, bem como fazer um levantamento das funções que neste momento estão a ser exercidas, com que objetivos e com que alunos.

e)   Apoio de adulto acompanhante

Um dos maiores entraves à inclusão dos alunos com perturbações ou deficiências mais acentuadas é a falta de professores ou assistentes operacionais, para um trabalho de apoio à participação nas aprendizagens, nas atividades da escola e nas diferentes dimensões de inclusão social formal e informal. A falta de recursos humanos é hoje, o maior entrave à inclusão de muitos alunos, bem como à qualificação da inclusão de outros tantos. Muitas vezes os alunos estão isolados em grupos, porque não há ninguém que os acompanhe, ou então estão “incluídos” em salas de aula em situações de “exclusão” pelo mesmo motivo.

Já vimos que esta nova legislação não traz nada de novo em relação aos alunos que estão totalmente incluídos na sala, nos currículos e nas aprendizagens, a cargo dos seus professores e com ensino e participação plena nas oportunidades e recursos da escola em todas as vertentes, tendo a Educação Especial em apoio direto ou indireto. Mas, por outro lado, também não consegue aumentar a Inclusão dos alunos agora chamados como tendo “Barreiras Acentuadas e Persistentes”. Isto por falta de recursos humanos na escola em geral e nas salas de aula, a apoiar os professores e os próprios alunos, permitindo o acesso às interações, vida escolar e às tarefas, mesmo que diferenciadas.

Por isso estes alunos acabam muitas vezes em contextos separados. Não se está a cuidar das suas necessidades de acompanhamento e pior, em muitas escolas os professores de Educação Especial estão a ser desviados para tarefas supostamente inclusivas, descurando os casos mais graves, onde devem ser centrados os esforços. A equidade promove-se com ações e recursos concretos e não se reforçaram as equipas de assistentes ou professores para este fim.

Seria importante garantir que os alunos com NEE que necessitem de acompanhamento físico/presencial o pudessem ter, explicitando uma medida que o contemple e os recursos que o concretizem. Tornar tudo indireto, do tipo, “dar estratégias ao professor da turma”, é um risco e pode ser interpretado como uma forma de não aumentar recursos, sob o pretexto de aumentar a inclusão. Inclusão não é mitigar o apoio individualizado e abordagem especializada que muitos alunos precisam. A inclusão necessita medidas diferenciadoras que garantam a equidade e isso depende de investimento.

f)    CAA: Centros Genéricos, Centros Especializados ou o fim envergonhado das Unidades.

 

Ao criar os Centros de Apoio à Aprendizagem, CAA, encontra-se uma forma genérica de designar os recursos e serviços que anteriormente eram desenvolvidos pela Educação Especial como Currículos Específicos Funcionais, Oficinas Práticas ou as Unidades Especializadas, entre outros, que decorrem em todo o espaço escolar, rentabilizando os recursos existentes, bem como na comunidade, no caso dos PIT.

Estamos perante mais um indicador que se trata de uma lei de Educação Especial disfarçada e envergonhada, tentando fazer crer que, se generalizarmos o discurso e as respostas e retirarmos a Educação Especial da equação, logo a inclusão avança. É grave e perigoso que assim se pense. Não é por termos menos Educação Especial que a Inclusão avança, como aliás comprova a forma como esta lei está a resultar no terreno.

 

Perigosa porque fica pouco clara a ideia de que há alunos, cujas Necessidades Especiais passam por ambientes estruturados e adaptados às suas necessidades tão específicas, mitigando o termo de Unidades Especializadas e criando uma resposta genérica. Não se conhece uma avaliação às Unidades, ficando por saber as razões desta opção diluída, sabendo-se já que, como resultado, não estão a ser criadas e desenvolvidas Unidades, estão a concentrar-se nos mesmos espaços, as diversas tipologias de problemas, sem uma gestão integrada, com claro prejuízo para as necessidades específicas e de grande intensidade de apoio direto. Da leitura da legislação, torna-se claro que há uma preocupação em não atribuir responsabilidades à Educação Especial, nos CAA, no apoio direto dos alunos com medidas seletivas e até nas Unidades. Estamos a navegar águas muito perigosas, que não são nada inclusivas.


Os CAA não acrescentam nada à escola, apenas descrevem recursos que já existem. Ao contrário do que muitos interpretam, estes CAA são apenas para alunos que beneficiam de Medidas Adicionais, nomeadamente alíneas b), d) e e) do n.º 4 do artigo 10.º. Mais um indicador que estamos a falar de uma legislação de Educação Especial. Torná-los mais abrangentes vai generalizar uma resposta que deve ser restrita, englobando alunos que deveriam estar a aprender junto com os outros nas respetivas salas de aula.  Os relatos que nos chegam destes CAA não são animadores, porque afinal esta designação não apresenta nada de novo no seu conteúdo, mas lançou muitas dúvidas na sua aplicação. Há situações em que os CAA se tornam de tal maneira abrangentes e genéricos, que se perdem completamente os alunos com necessidades específicas. Em vez de se pugnar pela participação e criação de contextos inclusivos, cria-se uma estrutura completamente artificial e separada, mas que deixa igualmente de cuidar das especificidades. Há mesmo situações onde a organização e gestão do CAA não é feita pela Educação Especial, abrindo-se assim precedentes muito perigosos na destruição de respostas especializadas. 


Se a escola não se constitui uma alternativa credível e competente para educar todos os alunos sem exceção, o resultado final será o recurso a instituições segregadas e procura de terapêuticas e outras formas de apoio na área da saúde, onde os pais sintam segurança. Convém realçar que as Unidades Especializadas constituem verdadeiras ferramentas de inclusão dos alunos com dificuldades mais graves, com deficiência, com transtornos e perturbações, com necessidade de respostas muito particulares. Dotaram as escolas portuguesas com esta modalidade intermédia de acolher e educar, podendo desenvolver-se mecanismos de inclusão a partir delas. Tornaram-se fundamentais para as escolas educarem alunos que tradicionalmente não acolhia. Foram responsáveis pela desinstitucionalização e inclusão, mesmo que parcial,  de dezenas de milhares de alunos, sem que isso tenha alguma vez sido avaliado. Os números existem e provam que não se deve minimizar ou, de repente, achar que as Unidades são más, só por “achismo”. Seria importante avalia-las e melhorar esta resposta, porque a alternativa é bem pior.


Mas para desenvolver as Unidades, ou este tipo de respostas intermédias, mais uma vez, são precisos investimentos, sendo mais económico dilui-las numa coisa genérica que é tudo e não é nada. Sem respostas deste tipo bem organizadas e definidas, o fim destes alunos serão as instituições privadas, onde depois o Estado vai pagar o dobro do que quis poupar na escola pública. Seria bom ver as verbas que eram dadas para estas Unidades e o número de professores, técnicos e assistentes operacionais que havia antes desta lei e os que há agora. Seria bom olhar o número de alunos em escolas especiais antes da sua criação e os que hoje estão em Unidades e acompanhar esse fluxo a partir de agora.

Burocracia torna processos confusos, difíceis e morosos

A burocracia é uma das principais marcas desta legislação. Gasta grande parte do seu texto a explicitar ao detalhe processos burocráticos, prazos, constituição da equipa multidisciplinar e modelos teóricos, criando toda uma teia no percurso de identificação e decisão, que torna mais complexo todo o processo e não melhora o anterior. O próprio processo é menos inclusivo que anteriormente. Inclusivamente quando se trata de organizar e explicar as respostas e medidas, estas estão dispersas ao longo de toda a lei, dificultando a compreensão e aplicação. Não se consegue uma mudança, tornando as coisas mais burocráticas, difíceis e complicadas de implementar.

Criam-se dificuldades a um processo que anteriormente era mais fluído e rápido, mas, ao mesmo tempo, não se cuidam aspetos fundamentais. Obriga-se um instrumento de trabalho individual e interno de uma turma, como um RTP, a seguir um circuito labiríntico sem sentido e a uma aprovação nas mais altas instâncias da escola, enquanto se mantem a elaboração de Planos de Apoio Pedagógico, Tutorias, Planificações, Critérios de Avaliação e Planos Curriculares de Turma sem o mesmo nível de escrutínio, bem como retenções repetidas e outras situações pedagógicas centrais, que não têm este nível de exigência. Isto para não falar nos termos PEI e RTP, que foram retomados, mas agora referindo-se a documentos diferentes dos anteriores. A introdução de termos iguais para coisas diferentes, é incompreensível.

Existem igualmente muitas dúvidas como estão realmente definidos os critérios de elegibilidade. Generalizam-se critérios como “barreiras” e “potencialidades”, “avaliação com referência ao currículo” e deixam de haver Necessidades Educativas Especiais, perturbações, deficiência e fatores individuais. Aquilo que anteriormente era avaliado por uma equipa composta pelo SPO, Educação Especial, professores e pais, passa a ser tratado por um número mais alargado de pessoas, dependendo de escola para escola, sem claras linhas de atuação e sem uma perceção do que se deve avaliar e propor e porquê. Isto devido à dificuldade de entender como se implementa a EMAEI. A avaliação em Educação Especial sempre foi compreensiva e nunca classificativa ou normativa. Os diagnósticos médicos são apenas uma das informações importantes para as decisões e não para serem usados de forma classificativa ou segregativa. A retórica hoje usada faz crer que se tem de acabar com a Educação Especial, porque ela classificava os alunos. É um logro, por várias razões já focadas e até porque quem adotou a CIF e a forçou no sistema, contra tudo e contra todos, foram os mesmos, que agora aparecem para nos salvar dela.


As mesmas medidas com outros nomes

 

A torrente dispersa de medidas pelo documento, faz parecer que há muita coisa nova, mas não há absolutamente nada de novo. A sua definição, implementação e articulação, deixam muito a desejar, porque esta legislação perde mais tempo com a forma, do que com o conteúdo e o conteúdo é um conjunto de medidas prescritivas, iguais às anteriores, mas com nomes diferentes.

Primeiro temos as “áreas curriculares específicas” são citadas na alínea d) do artigo 2, e depois também no Artigo 23º de forma genérica. São áreas que sempre fizeram parte da ação da Educação Especial, mas esta ligação não ficou clara e abre a porta a mal-entendidos e falta de rigor na implementação.

Depois temos no Capítulo II, um conjunto de medidas, organizadas como Universais, Seletivas e Adicionais, numa suposta organização multinível, incompreensível para as escolas, mas que não é mais do que a organização em cascata, já com décadas, ou o velho princípio da aplicação progressiva das medidas menos restritivas e forma progressiva através da avaliação das anteriores; que remontam aos anos setenta, e são propostas nos anos 90 na literatura em Portugal; como sempre se organizaram as boas práticas em Educação Especial e Inclusão. Desta vez incluindo um novo conceito que surge como uma novidade, mas que não passa de dizer o mesmo de outra forma, não apresentando qualquer mudança ao que já acontecia, pois trata-se apenas de organizar sequencialmente medidas prescritivas.

As diversas formas de apoio mais individualizado, não são clarificadas, e cada Agrupamento está a interpretar à sua maneira, nomeadamente as das alíneas c), d) e e) do artigo 8º e as alíneas c) e d) do artigo 9º. Seria mais claro criar um apoio personalizado, que teria várias vertentes e objetivos, definidas caso a caso. Mas isso já tínhamos antes e chama-se Apoio Pedagógico Personalizado. Faz sentido a existência de uma forma de apoio deste género, dado que as modalidades mais genéricas deveriam fazer parte da DL/55, acessíveis a todos os alunos e bem.

A seguir, no Artigo 11º aparecem os chamados Recursos Específicos. Mais um conjunto de ferramentas, que supostamente deveriam destinar-se aos alunos definidos no número 1, do artigo 10º, só que aqui chamam-se recursos “especializados” e mais à frente são referidos recursos “específicos”, o que não deixa de ser intrigante.

Nada de novo nas medidas dispersas pelo diploma e, no entanto, continua a não existir a medida que todos sentem falta há tantos anos, que é a possibilidade de uma solução flexível entre Adaptações Curriculares não Significativas e as Significativas. Continua a ser o tudo ou nada, mas sabemos que há alunos que podem seguir um percurso mais personalizado, conseguindo, no final,  algum nível de certificação com equivalência. Fala-se tanto em flexibilizar e diferenciar, mas nem as medidas do Decreto o conseguem ser.

Por fim, no artigo 28º, aparecem as Adaptações ao Processo de Avaliação, apresentadas de forma desgarrada de tudo o resto, aliás, a forma como esta lei se articula com o Júri Nacional de Exames é, no mínimo, estranha. Diz que são para todos os alunos, mas entra em conflito com as Normas emanadas pelo JNE, criando nas escolas um enorme problema que é, por um lado permitir que na avaliação sumativa interna se apliquem as adaptações necessárias ao aluno e depois, por outro lado,  construir toda uma realidade paralela para a avaliação externa, com limitações ao que é feito nas escolas. É exigido um RTP e referem-se perturbações que podem fazer determinadas coisas e não outras, impedindo que, em muitos casos, os alunos com adaptações ao processo de avaliação não as possam ter na avaliação externa, o que configura um processo de exclusão e desigualdade.

Atualmente o JNE, circunscreve as adaptações na avaliação externa aos alunos com RTP, logo, excluindo alunos com Medidas Universais, nomeadamente Acomodações Curriculares, que não se registam em RTP, mas que também estão relacionadas com barreiras individuais intrínsecas. Há aqui uma situação de desigualdade, de descontinuidade e há um falsear de resultados, prejudicando alunos com NEE, que não veem os seus direitos espelhados também na avaliação externa. Até porque as adaptações à avaliação são Acomodações Curriculares por excelência.

Sem falar no princípio de catalogar medidas por tipologia de problemática. Sabendo nós que o ensino em Portugal vive para a avaliação externa, de que serve termos processos de diferenciação e inclusão na avaliação interna, para depois classificarmos alunos e mitigarmos essas adaptações na externa?

Afinal, é uma Lei de Educação Especial com design criativo

Para além de todas estas medidas prescritivas e ferramentas dispersas pelo DL/54, se formos ainda ao DL 55/2018, de 6 de julho, temos no artigo 11º um conjunto de outras medidas de promoção do Sucesso Educativo como apoio educativo, coadjuvação em sala de aula, entre outras. No artigo 21.º Dinâmicas Pedagógicas, mais umas quantas, que passam por coadjuvação, tutorias, trabalho colaborativo e outras. Tudo isto em paralelo ao DL 54. O mesmo acontece no Despacho Normativo nº10-B/2018 de 6 de julho, saído no mesmo dia, que no ponto 2 do artigo 11º diz que as medidas do DL/54 são aplicadas quando existam Necessidades Específicas de acesso às aprendizagens curriculares, remetendo o DL 54/2018 para esse contexto específico.  “Nos casos em que a equipa de docentes da turma identificar necessidades específicas de acesso às aprendizagens curriculares, a abordagem multinível permite o recurso a medidas universais, seletivas e adicionais”.

Por muito que se queira vender o contrário, é a própria legislação que vem remeter o DL/54 apenas para as Necessidades Específicas, embora sob a forma de uma suposta inclusão para toda a escola, mas depois temos a lei mais geral com medidas de promoção do sucesso, desarticuladas do DL/54 e mantendo a velha dicotomia, para que, no fundo, tudo fique na mesma no restante ensino.

O DL/54, não passa de um conjunto de medidas prescritivas, que já existiam, desenquadradas das medidas mais globais de apoio, numa lógica remediativa tendo em conta necessidades específicas camufladas em semântica, não apresentando sinais que na prática resultará em maior inclusão sequer para estes alunos, como, de  resto, se vai verificando nas escolas.

A Educação Especial é um ramo da Educação com um corpo de conhecimento próprio e tem de ser alvo de regulamentação própria. Tem uma estrutura criada legalmente, com atribuições e recursos e cuida da inclusão de alunos com NEE, muitos deles anteriormente excluídos em instituições. Tentar fazer parecer que ela é contrária à Inclusão, ou que passa a haver inclusão escondendo-a, é um erro colossal.

Em resumo:

Destaca-se desta análise que o DL 54/2018 é um documento destinado a Necessidades Específicas, logo é uma lei de Educação Especial, só que envergonhada e pior que a anterior. Seria muito mais eficaz assumir isso e fazer uma lei com este objetivo complementar, mas de qualidade e cientificamente correta, articulada com uma lei que estruture a Inclusão na globalidade da escola. Daí a necessidade de chamar as coisas pelos nomes e assumir a necessidade de uma legislação de Educação Especial Inclusiva, articulada com documentos mais gerais de promoção do sucesso, de diferenciação pedagógica, da inclusão, flexibilização e diferenciação para todo o ensino.

Criticar esta lei não é estar contra a Educação Inclusiva, ou defender a classificação dos alunos como se faz abundantemente crer. Ter um discurso crítico visto a partir do conhecimento e da prática, é a melhor forma de a defender. Porque a Educação Inclusiva é um caminho para ser percorrido diariamente nas escolas com os parceiros do terreno. Sabemos que uma lei apenas vive na sua prática. Uma lei apenas existe e respira, na forma como os atores a percecionam e a implementam. O sucesso de uma lei mede-se nas pequenas coisas que ela vai proporcionar e nas melhorias que resultam efetivamente nas escolas. Não se pode vir depois dizer que a lei é boa, as escolas é que não a souberam implementar.

Apesar de podermos elencar mil e uma formas de a melhorar, cada dia que passa a situação torna-se pior e verificam-se os problemas na sua aplicação. Não vemos outra solução senão construir uma outra legislação, realista, que parta de uma avaliação credível, de pressupostos científicos, que ouça os intervenientes e se adeque à escola de hoje, sempre no âmbito de uma reforma global, mas sem deixar que a retórica atropele a sua real execução e as necessidades específicas dos alunos. Perdeu-se uma boa oportunidade de melhorar o que estava mal anteriormente e dar passos seguros para uma qualificação do ensino e da inclusão destes alunos. Perdeu-se também uma oportunidade de falar de Educação Inclusiva para toda a escola e para todos os alunos excluídos, porque alguém acreditou que tentar transformar a Educação Especial em Educação Inclusiva por decreto, era solução para alguma coisa.

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