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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Horários da Educação Especial não podem pôr em causa o apoio aos alunos com dificuldades acentuadas.

Nos artigos 8º a 12º, do decreto-Lei n.º 54 de 2018, a intervenção direta dos docentes de educação especial, DEE, é mobilizada para alunos com necessidade de Educação Especial e Medidas Adicionais, que terá 22 horas letivas, quer seja em turma, em grupos de nível, unidade especializada, ou outros contextos educacionais e sociais.

Com o desafio de uma presença mais efetiva dos alunos com dificuldades acentuadas em turma e em contextos sociais ricos e inclusivos, há necessidade de mais tempo de acompanhamento direto de profissionais.

Na componente não letiva, a lei atribui-lhes responsabilidades na avaliação especializada dos alunos sinalizados, fazendo parte da equipa variável da EMAEI, onde articulam com os restantes intervenientes, técnicos, docentes, instituições, entre outros, bem como na elaboração dos RTP, PEI e PIT, e acompanhamento da implementação das respetivas medidas.

É necessário ainda ter em conta que, tendo os DEE direito a redução da componente letiva, muitos Agrupamentos estão a completar a componente não letiva com apoios, o que resulta na prática, no preenchimento das mesmas 22 horas com alunos.

Não nos podemos esquecer que o trabalho direto com alunos, exige preparação e planificação, à semelhança dos restantes professores, sendo necessária uma carga horária correspondente na CNL, no âmbito das 35 horas totais.

A isto acresce o baixo número de DEE em cada Agrupamento, o elevado número de alunos na componente letiva e não letiva e toda a sobrecarga que isso acarreta. Somam-se muitas situações de itinerância entre estabelecimentos devido à dispersão geográfica e o número de escolas em muitos locais. Não havendo equipas multidisciplinares, psicólogos e assistentes operacionais para uma intervenção de equipa, o trabalho dos DEE torna-se ainda mais isolado e difícil, com consequências na qualidade do apoio específico.

De acordo com investigação, a especialidade das funções, tem uma componente colaborativa forte, bem como acarreta a necessidade de acumular experiência em conjunto com os colegas ao longo do tempo. O isolamento é um entrave à troca de experiências e desenvolvimento profissional e a inexistências de equipas técnicas reflete-se também negativamente no apoio adequado que o próprio docente necessita.

Todos os professores são professores de inclusão

Mas, para além do referido anteriormente, as funções atribuídas ao DEE contêm uma outra componente mais ampla, que envolve o apoio à aprendizagem e à inclusão, no acompanhamento mais geral de cooperação e articulação com órgãos, docentes, equipas multidisciplinares e serviços da comunidade, “enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação dos meios e materiais de aprendizagem e de avaliação”.

Esta dimensão é apresentada no preâmbulo da lei como um “reforço” da intervenção dos DEE. Isto resulta na exigência de que, para além das 22 horas de trabalho direto com alunos e da CNL correspondente, estes professores tenham de colaborar com as estruturas escolares em processos de inclusão e estratégias de diferenciação, para a generalidade dos alunos, concretamente os que beneficiam de medidas seletivas e universais. Resta saber quando, como e onde, poderá o professor desenvolver a tal componente mais ampla de promotor da inclusão.

Este tipo de atribuições não podem ser exclusivas do DEE, pois todos os professores são professores de inclusão e todos devem ter momentos de articulação e reflexão para esse desígnio, sem que isso tenha consequências no tempo disponível para apoiar diretamente os casos que necessitam.

Não é adequado dispersar as funções a tal ponto, que se possa perder o foco do essencial sob pena de colocar em causa a qualidade do trabalho destes professores. É necessário ter em conta, os desafios da profissão, já de si complexos e exigentes dada a diversidade das necessidades dos alunos com intervenções intensivas, a falta de recursos adequados, a formação específica diversa e o excesso de documentação e burocracia.

Por tudo isto, a gestão da componente letiva e não letiva tem de ser realista e suficientemente flexível para o que se pretende. Um conjunto tão vasto de funções, não pode assentar numa sobrecarga de trabalho e de horas, que facilmente excedem o limite, ou que tenha custos na resposta específica a alunos, sob o pretexto de que agora os DEE são para uma ideia generalista de inclusão.

A desejada flexibilidade de horário deve ter em conta as diferentes realidades dos Agrupamentos, definindo o que se pretende de cada DEE e quanto tempo é necessário para as suas atribuições, dentro de um desígnio tão exigente e ambicioso, sem perder de vista a intervenção direta nos casos de alunos com necessidades específicas graves, acompanhando seus professores e pais.

Reforçar e ampliar as competências por via da lei, não pode colocar em causa o cumprimento dos horários laborais e deve ter um correspondente reforço de recursos, nomeadamente o aumento do número destes profissionais em cada escola e a existência de recursos e equipas, de acordo com as necessidades reais.

Artigo Publicado na Revista do SPGL, Escola Informação, dezembro 2023.


Foto de Julia M Cameron: https://www.pexels.com/pt-br/foto/teclado-apple-comunicacao-conversa-divulgacao-4144923/




segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Ministério da Educação na despedida: desencanto docente, falhanço negocial e soluções adiadas.

Este Governo despede-se deixando todos os problemas da Educação Pública por resolver, após o falhanço negocial para valorizar a carreira e as condições de trabalho dos professores. Focou-se no ataque ao direito à greve e deixa como herança uma carreira destroçada, uma classe desiludida e desmotivada, bem como largas dezenas de milhares de alunos sem aulas. Para responder à crescente falta de professores tem para apresentar a possibilidade de se poder dar aulas sem habilitação para a docência. A batata quente passa para o senhor que se segue, resta-nos assistir ao patético desfile de promessas eleitorais daqueles que, no passado, sempre se juntaram para negar justiça aos docentes.


Foi promulgado neste final de novembro de 2023 o Decreto-Lei n.º 112/2023 de 29 de novembro, que altera o regime jurídico da habilitação para a docência no pré-escolar, básico e secundário, abrindo a possibilidade de se dar aulas sem profissionalização, ou seja, sem se ser professor. Este recurso a habilitações próprias, estagiários e a jovens sem licenciatura completa, para além de anacrónico, visa facilitar o acesso, mas, na realidade, corresponde a um retrocesso, que vai colocar em risco a qualidade do ensino, bem como abrir a porta para a desvalorização da profissão, criando uma escola pública de serviços mínimos, desigual e com futuro incerto.

Tem ainda o efeito pernicioso de criar nas escolas a figura do professor orientador mais experiente, que apenas visa sobrecarregar ainda mais os professores, já desgastados e com excesso de atividades burocráticas, sem contrapartidas monetárias. Cria-se um sistema de facilitação para dar aulas, assente em jovens descartáveis e na sobrecarga de trabalho dos professores, a custo zero.

 Na mesma semana o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de novembro, declarou ilegais os serviços mínimos impostos à greve às avaliações sumativas finais dos anos com provas finais ou exames do 9.º, 11.º e 12.º anos.

Esta decisão veio juntar-se a todas as outras, que também consideraram ilegais os serviços mínimos decretados em 2023, numa tentativa patética do Ministério para esvaziar a luta dos professores que se mobilizaram na rua e nas escolas a níveis extraordinários na defesa da Escola Pública. Apesar das ameaças de processos disciplinares e perseguições, no final prevaleceu a justiça e a legalidade, deixando a nu até que ponto vai um Governo para cercear a liberdade sindical e a legitimidade constitucional do protesto de uma classe.

 Estas duas notícias de final de novembro, mostram bem a marca que deixa este Ministério na Educação em Portugal. Incapaz de resolver o problema mais que anunciado da falta de professores e falhando nas negociações com todos os sindicatos, despede-se com uma medida de remendos que baixa as habilitações para a docência e deixa uma imagem de quem recorreu a todo o tipo de expedientes para denegrir e insultar os professores, em vez de focar a sua energia num acordo que pudesse melhorar as condições nas escolas e preparar um futuro melhor na Educação.

 Não se captam professores sem uma carreira justa e atrativa

 Em outubro eram já mais de 1200 as pessoas a dar aulas sem habilitação, mas o número tende a aumentar à medida que o ano letivo avança com as substituições e as reformas, sem que haja professores habilitados disponíveis. Este ano de 2023 reformaram-se já 3.521 professores, um aumento de quase 50% em relação ao ano passado, prevendo-se que até 2030 se aposentem mais de metade, num universo total de 150 mil docentes.

 O ano letivo começou com largas dezenas de milhar de alunos sem aulas devido à falta de professores e não devido a greves, como se tentou fazer crer ao longo de 2023.

O falhanço das negociações, não é uma fatalidade, representa sim a recusa em investir na escola pública e, com isso, criar as bases para um sistema dual, que alimenta o ensino privado.

 Um professor leva em média 15 anos como contratado. Mais tarde, é bloqueado em dois, dos dez escalões, onde apenas 25% progride e os restantes esperam vários anos pela sua vez.  Se a isto somarmos os mais de seis anos de congelamento, temos uma carreira que não avança, onde o salário está muito abaixo dos anos efetivamente trabalhados e consequentemente, uma reforma a meio da tabela, que nem paga a mensalidade de um lar.

 Houve também um ataque mais vasto à classe, colocando em dúvida a sua idoneidade, difamando os seus profissionais, precarizando-os, desvalorizando a carreira, atacando-os na sua luta, atafulhando-os de trabalho inútil e penalizando-os, como no caso da mobilidade por doença, que deixou vulneráveis milhares de docentes com doenças graves ou pessoas a cargo.

 Esta degradação das condições de trabalho não é compatível com a necessidade de atrair novos profissionais e qualificar o ensino. Sem uma carreira justa, não há novos professores e não se fixam os que estão, nem tão pouco se incentiva o regresso dos milhares que já abandoaram.

Gestão economicista dos recursos humanos, mascarada de inevitabilidade.

Tenta-se fazer crer que a falta de professores é uma inevitabilidade em todos os países, mas não é o que se verifica quando olhamos o percurso de decisões desastrosas na gestão da educação em Portugal.

 Desde há 15 anos difundiu-se a conveniente ideia, que haveria excesso de professores, centrando a gestão da educação em critérios economicistas. Aumentaram os alunos por turma, diminuíram os professores, degradou-se a carreira e os salários, dificultou-se o acesso aos quadros, incentivando a precariedade da chamada “casa às costas”.

 Em 2022 existiam 33 mil professores precários, mais de 20% do total. Números completamente inaceitáveis num sistema público onde o próprio Estado promove a precariedade e os baixos salários. Cada professor ganhava em 2022, em média, menos 6%, que há quinze anos atrás e passou a ter uma carreira contributiva com mais 5 a 10 anos, devido ao aumento da idade de reforma, a par da injustiça do fator de sustentabilidade.

 Tudo isto resultou num abandono precoce da profissão de pelo menos mais de 10 mil profissionais na última década, devido a desgaste, precariedade e desilusão. Profissionais que nunca mais regressaram a um sistema com crescente falta de professores, onde os alunos aumentaram e não foi acautelada a formação em número suficiente para as previsíveis saídas.

Para além do falhanço na gestão dos recursos no serviço público, este Ministro deixa a classe mais envelhecida da União Europeia completamente desmotivada, desiludida, com sinais claros de exaustão, sem perspetivas de carreira e com ordenados abaixo do que seria justo.

Eleitoralismo dos que nunca estiveram do lado da solução

Ficam adiadas as soluções para um próximo Governo, que vão muito além da devolução do tempo de serviço, agora acenado como promessa eleitoral daqueles que no passado nunca estiveram do lado da solução para os problemas difíceis que a Escola Pública enfrenta.

Um dos candidatos à liderança do PS e ex ministro Pedro Nuno Santos, acaba de admitir publicamente que afinal é a carreira dos professores que está em desvantagem em relação à restante função pública, onde já ocorreu recuperação do tempo congelado e não o contrário como foi amplamente propagado. Foi preciso haver eleições para se admitir publicamente o que sempre foi óbvio, deitando por terra a falácia de que dar justiça aos professores iria criar desigualdades nas restantes carreiras. Foi o vale tudo, mas os professores têm memória.

Não esquecemos que em 2011 Passos Coelho mandou os professores emigrar e disse, em 2013, que havia professores a mais, sendo secundado por Nuno Crato (2012) e Rui Rio em 2019. Também Tiago Brandão Rodrigues negou sempre a falta de docentes. Em maio de 2019 PSD e CDS, juntaram-se ao PS para chumbar a proposta de reposição total do tempo de serviço. Sem maioria do PS, o problema tinha ficado resolvido.


Também não esquecemos que em 4 de dezembro de 2020, foram discutidos na AR três projetos de Resolução do BE, PCP e PAN, de melhoria das condições da escola pública, por iniciativa da “FENPROF”, onde, para além da recuperação do tempo de serviço se propunha o combate à precariedade e criação de um regime de concursos justo; a eliminação da barreira no acesso aos 5.º e 7.º escalões; o rejuvenescimento da classe docente e um regime específico de aposentação; bem como o cumprimento das 35 horas semanais com a clarificação da componente letiva e não letiva. Todos os projetos foram chumbados por PS, PSD e CDS-PP e nessa altura também não havia maioria absoluta do PS. Por estes exemplos, sabemos quem sempre se juntou para negar justiça aos docentes.

Chegados aqui, com eleições marcadas, nada mudou na carreira dos professores, que mantem todos os estrangulamentos, ultrapassagens e injustiças, a par das más condições de trabalho e perda de rendimentos. Não se investiu na qualificação do ensino público, não se salvaguardaram as condições de trabalho, não se promoveu o respeito pelos docentes, nem o diálogo social, pedras basilares da qualificação do sistema.

Em Portugal ficou tudo por fazer, cabendo agora ao país decidir se mantemos uma gestão lesiva da escola pública, cada vez mais fragilizada e em risco de se tornar num serviço mínimo reprodutor de desigualdades e injustiça social.


Imagem de Pexels em Pixabay


domingo, 12 de novembro de 2023

Saúde mental e desenvolvimento social: as maiores faturas pagas pelos alunos com NE após pandemia.

Na avaliação da Educação Especial, fica claro que o confinamento, as regras de distanciamento, o isolamento social e o medo, aumentaram os problemas de saúde mental de crianças e adolescentes, para além de afetar as aprendizagens. A UNICEF (2021) estima que mais de um em cada sete crianças e jovens dos 10 aos 17 anos, sofre de problemas emocionais e que serão necessários muitos anos e investimento significativo para os resolver.

A mesma entidade refere que no caso dos alunos com perturbações no desenvolvimento, esse preço foi maior, dado que despoletou ou agravou muitas das situações de déficit de atenção com hiperatividade, ansiedade, autismo, transtorno bipolar, transtorno de conduta, depressão, transtornos alimentares, deficiência intelectual e esquizofrenia.

Um outro aspeto negativo é o défice de experiências de socialização, de acesso aos contextos naturais e a atividades sociais, bem como aos grupos de referência; fundamentais para uma construção da personalidade, identificação e desenvolvimento de capacidades, quer na escola, como fora dela, onde a pobreza e a língua materna, quando associados, agravaram mais as desigualdades gritantes que se verificaram.

No caso de crianças com deficiência intelectual, transtornos de aprendizagem ou perturbações da comunicação e comportamento, tudo se agrava, devido a uma maior necessidade dessas vivências para o seu desenvolvimento. O isolamento, o acesso muito deficitário às aprendizagens e todo o afastamento promovido, não permitiram um crescimento adequado nessas áreas, no período etário ótimo para tal.

Mesmo no ensino a distância, os alunos com necessidades específicas não tinham autonomia, nem competências digitais para participar e as famílias não puderam compensar.

Na área da Inclusão e da Educação Especial o desenvolvimento da autonomia, da comunicação, da motricidade e da área socio emocional, constituem a maior fatura paga por estes alunos.

A própria máscara usada por muito tempo, inibe a concretização da comunicação e da aprendizagem social essenciais nos primeiros anos de vida, bem como nos alunos com atraso no desenvolvimento, que necessitam dessa forma de comunicação e de estabelecer relações e aprendizagens sociais.

Para além de toda a aprendizagem em contexto perdida, que é a mais rica e eficaz, foram também postas em causa competências básicas comportamentais que predispõem para a aprendizagem, bem como a leitura, a escrita, a manipulação, a realização de atividades práticas e funcionais, ou o acesso ao lúdico.

Neste momento torna-se fundamental um reforço de meios e ações para implementar respostas de equidade, não só para o insucesso e défices na aprendizagem, mas também para o apoio psicossocial.

O Plano de Recuperação ficou muito aquém do necessário face ao diagnóstico traçado e o anúncio da sua continuidade é contraditório com a diminuição de crédito horário e a dificuldade em dispor de AO, entre outros recursos necessários.

Não podemos ter um investimento remediativo pontual, mas sim uma aposta estrutural, continuada e consistente, em recursos e áreas como:

- Professores Especializados; Psicólogos; Terapeutas, Assistentes Sociais e Assistentes Operacionais, para reforçar os processos de inclusão e aprendizagem, de saúde mental e de competências na área social;

- Equipas multidisciplinares como o CRI, devem estar inseridas nas estruturas do ME e não ser contratualizadas externamente sem ligação às dinâmicas pedagógicas. Em vez de investir na inclusão em ambiente escolar, o Estado financia a exclusão.

- Equipas de Intervenção Precoce, fundamentais para o apoio nos primeiros anos de vida, mas que não dão resposta às solicitações, padecendo de falta de meios e recursos.

- Crédito horário reforçado para apoios, parcerias e coadjuvações, no âmbito das dificuldades de aprendizagem decorrentes da diversidade linguística e cultural, bem como constrangimentos sociofamiliares, económicos ou outros.

- Redução do número de alunos por turma e classes de um só ano, para permitir um trabalho mais individualizado e mais tempo de permanência em turma dos alunos com NE.

"Artigo publicado na revista "Escola Informação" do SPGL em outubro 2023"


Imagem de Alexandra_Koch por Pixabay


terça-feira, 24 de outubro de 2023

Educação Inclusiva 5 anos depois: Faltam recursos para a equidade e o combate às desigualdades, num sistema educativo que não se apropriou dos princípios da inclusão.


Na reflexão sobre o Regime de Educação Inclusiva decretado há 5 anos, constatamos a necessidade de avaliar de forma independente as suas consequências na nossa realidade diária das escolas e reformular muitos aspetos que dificultam a sua implementação e causam desigualdades.  Emerge também o perigo de retrocesso, quando não se investe e se apregoa uma ideia genérica de inclusão, tornando alunos invisíveis com respostas genéricas, sem garantir a equidade que cada aluno exige, bem como uma correta afetação de recursos e respostas específicas para populações específicas.

 

Carência de recursos para a Inclusão de alunos invisíveis

Cinco anos após a implementação do Regime de Educação Inclusiva pelo Decreto Lei n.º 54, ficou patente que as escolas não foram dotadas dos recursos necessários para desenvolver políticas e práticas de equidade. Faltam recursos humanos para parcerias, apoio educativo, língua não materna, ou tutorias. Faltam professores especializados em educação especial, psicólogos e técnicos; ou ainda assistentes operacionais para acompanhamento dos alunos com deficiência ou perturbações graves, a necessitar de apoios diretos no âmbito da escola e da sua participação em atividades da escola e da turma.

Sabemos que o número de alunos aumenta, mas sem recursos não se consegue implementar uma política efetiva de apoio à diversidade, especialmente num ano em que se anunciam cortes no crédito horário. Se a tudo isto somarmos o aumento dos alunos por turma e a falta de professores, estamos em risco de ter decretado um regime de inclusão, numa escola de serviços mínimos, que exclui.

Por seu lado, os professores de educação especial viram a sua função diluída numa proposta de intervenção supostamente inclusiva, onde as suas competências centrais são de acompanhamento genérico indireto como especialistas de métodos e meios, junto da escola e dos colegas; mas deixa em aberto a sua principal função de interventores diretos nos processos de apoio, desenvolvimento e educação de alunos com necessidade de educação especial, nomeadamente os que apresentam necessidades específicas, decorrentes de deficiência ou perturbação grave e cujo sucesso depende de um conjunto de conhecimentos, estratégias e materiais específicos, que fazem parte do corpo de conhecimento específico da disciplina de Educação Especial.

A ausência de equipas multidisciplinares criadas no seio do sistema educativo, dificulta uma resposta consistentes e eficaz no ensino público, que possa ser sentido como uma alternativa à institucionalização, o que leva muitas famílias a contratualizar particularmente esses apoios, criando desigualdades sociais. O próprio Ministério da Educação externaliza a contratação desses técnicos, em vez de criar respostas integradas dentro do ensino público.

Ao substituir uma lei que estabelecia um regime de Educação Especial, por outra que decreta um regime Inclusivo, sem cuidar das funções e das necessidades de quem precisa de Educação Especial, não se estão a acautelar as especificidades concretas e realistas de uma população, mas sim a torná-la invisível. Veja-se a ausência de nomenclaturas e a forma genérica como os alunos são classificados, sabendo-se que não é possível mobilizar apoios e recursos adequados para determinadas populações. Deixamos de saber quais as necessidades dos alunos e que tipo de respostas específicas necessitam.

Este quadro de diluição e invisibilidade pode ter consequências graves na ausência de capacidade da escola em se tornar eficaz para todos, quer pela utilização de categorizações sem sentido, quer pela ausência de avaliação competente, quer ainda, pela forma genérica como depois as medidas e os recursos são atribuídos, o que resultará numa desadequação dos mesmos.

Seria uma grande desilusão constatarmos que afinal, um suposto Regime Inclusivo, resultou na prática, como uma forma de poupar despesa na educação, diminuir recursos e retroceder na oferta pública inclusiva para todos, sem exceção.

Por tudo isto é fundamental definir o estatuto da Educação Especial e seus profissionais, nas vertentes de apoio à inclusão dos alunos com Necessidades Específicas; bem como de apoio direto e acompanhamento dos que necessitam de Educação Especial.

 

Não podemos promover a Inclusão a custo zero, pelo que urge dotar as escolas com recursos humanos, nomeadamente docentes especializados, mas também assistentes operacionais, de acordo com as necessidades de cada escola, nomeadamente para os alunos com deficiência e perturbações acentuadas;

 

Por fim, é necessário contratar equipas multidisciplinares de técnicos e terapeutas em número suficiente, mas no âmbito dos Agrupamentos de Escolas, permitindo a sua inserção nos objetivos e dinâmica de cada Agrupamento, integrando e investindo igualmente na Intervenção Precoce como parte integrante do sistema educativo.

 

Quanto aos investimentos necessários para promover a Inclusão nas Escolas, ficamos mais um ano adiados. O aumento de financiamento das equipas dos CRI e das instituições sociais e privadas, previsto no Orçamento de Estado para 2024, é uma atualização meramente compensatória de uma série de anos sem atualização de verbas e é dinheiro que vai direto para instituições e não para os Agrupamentos. Perpetua-se uma visão terapêutica das necessidades específicas, inclusivamente no seio das próprias escolas, em vez de promover o enriquecimento de equipas educativas autónomas nos contextos naturais de aprendizagem.  Prega-se a inclusão, mas financia-se um modelo assistencial que exclui.

 

Já é tempo de avaliar e reformular o quadro legal existente

O Regime Jurídico da Educação Inclusiva, pretendeu estabelecer um conjunto de alterações no sistema de ensino através do reforço e generalização de práticas e das conceções pedagógicas inclusivas, sem conseguir uma verdadeira visão integrada dos valores inclusivos nas diversas dimensões.

A inclusão não é um conjunto de medidas remediativas, nem algo artificial ou imposto e muito menos pode ser decretada como uma espécie de projeto ou plano para alguns alunos. A Educação Inclusiva é um dos princípios que devem estar na base de todas as leis, de todos os projetos, de todas as decisões e de todas as ações.

Não se promove uma Escola Inclusiva num documento legal que se destina a “cluster” de alunos em dificuldade, desarticulado com os documentos estruturantes do sistema educativo.

Essa proposta legislativa não partiu da necessidade das escolas, nem de uma avaliação da anterior, de forma a que pudesse refletir mudanças necessárias da realidade e ser apropriada pelo sistema como uma transição natural. Daqui resultou uma aplicação pouco inclusiva e artificial de cima para baixo, que origina enormes discrepâncias na interpretação e na sua aplicação pelo país.

A forma como alguns aspetos da legislação estão a ser interpretados, como as EMAEI ou os CAA, demonstra a artificialidade destas estruturas e a ausência de reais competências próprias, fomentando a retirada das mesmas de outras estruturas já existentes, entrando em conflito com estas.

Inibe que se desenvolva uma gestão inclusiva nos cargos e estruturas naturais de decisão onde efetivamente as diferentes competências já são geridas, bem como a melhoria dessa dinâmica natural de gestão, que os diferentes patamares e órgão de gestão da escola já têm.

Querer decretar a inclusão sem dotar as escolas de recursos e sem olhar toda a escola e todos os professores como agentes de inclusão, é outro motivo de preocupação, que deveria motivar uma avaliação séria, já que não seria a primeira vez que se perderia uma oportunidade de colocar a Educação Inclusiva na agenda educativa, sem sucesso.

Por isso, é importante avaliar de forma independente a aplicação da lei, verificando o que não resultou, o que está a mais e o que fez na melhoria da inclusão dos alunos, na diferenciação do ensino e no desenvolvimento de respostas para a diversidade e sucesso. Tornar a legislação coerente e articulada, generalizando os princípios de uma educação inclusiva a todos os setores e documentos estruturantes do sistema educativo, nas suas diferentes dimensões de gestão, organização, formação de professores, legislação, autonomia, avaliação e prática e não apenas a uma lei setorial, que se confunde com um conjunto de medidas para determinados alunos.

Continua a haver muita necessidade de formação para os agentes educativos nesta área, generalizando os princípios da educação inclusiva, apresentando-os de forma acessível, facilitadora da sua implementação, para ter real impacto na prática letiva, no pressuposto que todos os docentes devem pautar-se pelo princípio da inclusão.

Por outro lado, não se implementa uma educação inclusiva sem dar autonomia financeira e decisória às escolas e seus professores, para serem eficazes e definirem os seus próprios projetos de inclusão, dotando-as de mecanismos de regulação e dos meios necessários para tal, contrariando uma normalização centralizadora, que apenas resulta em respostas formatadas.

Por fim, e não menos importante, não cabe apenas à escola este desígnio. É necessário articular estes princípios com as respostas pós escolaridade obrigatória, para que a vida de muitos jovens não acabe por ser ficar em casa, ou na lista de espera de um lar ou CAO. É importante envolver empresas, instituições e forças locais para que esta intenção não se fique apenas num setor, enquanto o país continua a gerir muito mal os processos de inclusão dos grupos em risco de exclusão e das camadas mais desfavorecidas.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Uma Escola Inclusiva acolhe e respeita os seus profissionais


A Escola Inclusiva é, desde logo, uma organização profundamente democrática, que acolhe os seus profissionais e onde os professores têm de ser incluídos, participar ativamente e sentir que a sua voz é ouvida e respeitada.


Uma Escola Inclusiva de Qualidade é uma construção permanente que nos deve mobilizar a todos. É um lugar de justiça social e de equidade, onde todos devem ter acesso a uma educação de qualidade, universal e gratuita, capaz de desenvolver o potencial de uma população heterogenia, independentemente de fatores pessoais, económicos, sociais, contextos de vida e diversidade.


Tem a ver com igualdade de oportunidades e processos de equidade. Um lugar onde se combate o preconceito, o ódio, a exclusão. Lugar de acolhimento, de valorização da diversidade, dos valores e direitos fundamentais e de democracia efetivamente vivida.


Mas para que tal aconteça é necessário fazer uma reforma estrutural do sistema educativo, mobilizado e focado no combate às desigualdades.


Por isso a Escola Inclusiva também acolhe e valoriza todos os seus profissionais, obreiros dessa construção, que são quem nela vivem e trabalha.


Os professores têm de ser incluídos, participar ativamente e sentir-se como parte inteira de um sistema, onde a sua voz é ouvida e a sua profissionalidade respeitada.   


A Escola Inclusiva é, desde logo, uma organização profundamente democrática onde se elege quem governa, onde os professores devem ter voz e não uma organização de gestão unipessoal, onde os órgãos intermédios, os professores e as coordenações não decidem, são meros executores e mão de obra barata.
Não se pode decretar a Inclusão numa legislação cheiade retórica e de ideias bonitas e depois atuar, difamando os seus profissionais, acusando-os de desonestos, precarizando e desvalorizando a sua carreira, ignorá-los na luta por melhores condições de trabalho, cerceá-los dos seus direitos e desrespeitar a sua profissão. Quem perde os professores perde o futuro de um país.


É também necessário investimento nas escolas e não recorrer a serviços externos. Não se pode apregoar e decretar um regime inclusivo e não investir um mínimo, na qualificação da formação de todos os professores, no aumento de professores especializados, equipas multidisciplinares, assistentes operacionais e em tantos serviços e recursos de apoio aos alunos que deles necessitam e que tanta falta fazem, pois são fundamentais para promover as ações e medidas de equidade. Não se pode defender a Inclusão e esperar que isso aconteça a custo zero.
Uma Escola Inclusiva é também um ensino público desde o primeiro ano de vida, baseado em critérios pedagógicos. O Ministério da Educação não pode demitir-se de um sistema total e universal de educação desde a creche.


Falamos ainda num serviço de Intervenção Precoce, fundamental no apoio a crianças de risco, desde os zero anos e que continua cheio de carências, sobrelotado, subfinanciado e desligado, mais uma vez do Ministério da Educação.


Por tudo isto…. E muito mais


É urgente avaliar de forma independente as políticas de inclusão e a legislação que está em vigor e fazer um debate sério sobre o que é a Escola Inclusiva e como ela se constrói.


Esta é a luta civilizacional que nos interpela, num mundo global gerido pelos interesses, que nos acena com propostas como cheque ensino ou o marketing dos rankings.  Com o canto da sereia da culpabilização do indivíduo pelo seu fracasso, quando sabemos bem que as desigualdades e a exclusão determinam as oportunidades que cada um tem na construção do seu projeto de vida.


A Escola Pública não é pasto para fortalecer desigualdades, nem é um negócio. Tem de combater a injustiça da fatalidade de tantas vidas que não podem estar condenadas à partida.


Baixar a fasquia, enfraquecer e desmantelar o ensino público, é a melhor maneira de passarmos a ter serviços mínimos conformados com a desigualdade e sem esperança para os nossos filhos e netos.


A luta por uma Escola Inclusiva é tudo isto.
Uma boa vida começa com uma boa escola.
É o que nos move hoje, amanhã e sempre.

 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

A urgência de uma Rede Pública de Creches e o Direito à Educação desde o primeiro ano de vida.

 


Uma rede pública de creches com tutela única educacional é a melhor forma de ter uma educação da primeira infância com igualdade, qualidade e com educadores dentro da carreira docente. Em vez disso o Estado prefere financiar e depender do sistema privado, negando a consagração do direito à educação das crianças a partir do primeiro ano de vida e perpetuando uma visão assistencial, de um sistema que fica aquém das necessidades.

 

Depois de sempre recusar no Parlamento as propostas de criação de uma rede de creches públicas dentro do sistema educativo, o Governo PS lançou em 2021 um programa que chamou “Creche Feliz” e que pretende tornar gratuita a frequência de creches dos setores social e solidário, alargando ao privado quando não exista resposta. A medida abrange as crianças nascidas após 1 de setembro de 2021, aumentando até 2024, altura em que todas terão gratuitidade.

Este programa, a cargo do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, não engloba qualquer intenção de investir num sistema público de creches de componente intencional educativa, em complementaridade, que permita cobrir todo o país e todas as necessidades. Só subsidiar o acesso à rede privada não resolve o problema do acesso e da qualidade.

Por outro lado, a verba por criança, não cobre atividades extra de caráter facultativo que façam parte do projeto educativo. Esta situação carece da maior atenção, para evitar a discriminação das crianças com menos recursos no acesso ao que a instituição oferece. É preciso garantir que há limites nestes “extras”, bem como que não existam pagamentos acima do valor contratualizado com o Estado, para não se criarem duas categorias de utentes, os que podem e os que não podem pagar mais, com hipótese de limitação para o número de crianças que não possam” contribuir mais”, pondo em causa a universalidade e a própria equidade.

O direito à educação desde os zero anos

A história recente mostra-nos que só quando existe uma aposta pública forte, a universalidade é possível e as desigualdades são combatidas.  Veja-se a rede de educação pré-escolar, que há 20 anos era muito insuficiente, não tinha um caráter educativo e não cobria o país, sendo maioritariamente do privado e das IPSS, onde havia longas listas de espera, mensalidades elevadas e uma enorme desigualdade de acesso. Em 1997 a Lei Quadro da Educação Pré-Escola criou a rede pública de tutela do Ministério da Educação, universal e gratuita em todo o país, de caráter essencialmente educacional, cujo resultado está à vista com o público a garantir atualmente mais de 60% de uma oferta universal que cobre todo o país, com caráter educativo, o que nunca teria sido possível na modalidade anterior.

De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Educação, CNE, referente a 20201 a taxa de cobertura de rede de creches tem vindo a diminuir desde 2015, de 51,1% para 48,8%, ou seja, menos de metade das necessidades. Na região de Lisboa esse número é ainda menor, 44%, para além das enormes desigualdades de acesso no território nacional.

As autarquias têm um papel fundamental em virtude do seu posicionamento de proximidade, quer em termos de Câmaras como de Juntas de Freguesia, desde logo para um levantamento efetivo das carências das famílias e reais necessidades nesta área, como em desenvolver de projetos e parcerias de forma a garantir a universalidade, criar rede pública complementar e gerir a rede de forma integrada.

Pagando a terceiros, o Estado não gere as necessidades, ficando dependente de um sistema privado subsidiado, centrado em objetivos de acolhimento, alimentação, supervisão e saúde, sem a prioridade numa componente de intencionalidade pedagógica. Cria-se uma situação sem alternativas e comprometem-se investimentos numa rede pública de caráter educacional.

O elevado peso que as mensalidades representam no rendimento das famílias e a necessidade de conciliação da parentalidade com a vida profissional, tornam imperativa uma resposta gratuita e que responda às necessidades, mas não podemos esquecer a falta de vagas e de oportunidades que desesperam os pais, numa rede muito aquém do necessário. Para além disso, é a qualidade de vida das crianças que deve estar em primeiro lugar, quer em termos sociais, quer em igualdade de oportunidades de acesso a serviços de qualidade

Sendo a creche um contexto importante na qualidade do desenvolvimento da formação pessoal e educacional, é imperioso o acesso universal e gratuito para garantir a igualdade de direitos fundamentais.

Está hoje demonstrada a evidência da importância das creches como uma resposta educativa fundamental dos 0 aos 3 anos e não apenas um serviço social que permita conciliar o trabalho e a família numa perspetiva cuidadora.

Estudos nacionais e internacionais sublinham que, se as creches e os jardins de infância não forem de qualidade educativa superior, não contribuirão para o desenvolvimento das crianças, especialmente as mais desfavorecidas. Por isso, de acordo com Maria Folque e Teresa Vasconcelos (2018), a qualidade não pode ser apenas estrutural, mas essencialmente pedagógica.

O Ministério da Educação não pode continuar demissionário, nem a estar à margem do sistema de creches, por exemplo, nas suas orientações, sendo imperiosa a consagração do direito à Educação desde o primeiro ano de vida na Lei de Bases do Sistema Educativo e equipara as creches ao pré-escolar. A educação começa desde o nascimento, constituindo-se num direito do ser humano e não nos podemos quedar em respostas de apoio às famílias e entidades patronais.

Apoio à parentalidade e excesso de tempo em instituição

Ainda a CNE, em parecer de 20181, referia que Portugal era o país da Europa onde as crianças dos 0 aos 3 anos passavam mais tempo em creches ou amas, cerca de 39 horas semanais, mais 10 horas que a média europeia. Isto levanta um problema com implicações no desenvolvimento das crianças, sendo importante ter uma rede de creches que pense as questões emocionais e cognitivas relacionadas com os laços e a identificação familiar, envolvendo autarquias, empregadores e as próprias famílias.

Um serviço educativo de qualidade para a primeira infância, deve equacionar a importância da família no desenvolvimento da criança, não podendo ser escamoteadas medidas de apoio à parentalidade e às famílias com elevadas cargas laborais, promovendo um equilíbrio entre os tempos de permanência em instituições e o fortalecimento da família como lugar primeiro de afetos e formação humana.

Esta “Creche Feliz”, está muito longe de uma política integrada que cuide das famílias, das respostas comunitárias e do direito à educação, bem como permitir aos pais uma verdadeira escolha e não uma solução marcada pela inevitabilidade, devido a más condições de vida, exigências laborais ou problemas na oferta.

Justiça para a carreira dos Educadores de Infância das creches

Esta situação levanta questões quanto à necessidade dos educadores de infância serem devidamente integrados na tutela e na carreira docente do Ministério da Educação, garantindo um trabalho profissional no desenvolvimento pessoal, social e pedagógico das crianças, de acordo com as necessidades da idade de cada uma, dentro dos melhores padrões de qualidade, bem como orientações pedagógicas unificadas, legislação comum e supervisão, como em qualquer nível do sistema educativo.

Para além disso prevê-se que a falta de educadores comece a fazer-se sentir, o que obrigaria a uma abordagem global dentro de uma mesma carreira docente, de modo a planificar e combater os efeitos desta situação, que começa a afetar todo o sistema educativo e que, pode penalizar ainda mais o setor das creches, pondo em causa a sua qualificação.

Embora seja cada vez mais reconhecida a importância de um trabalho pedagógico com profissionais qualificados nos processos de desenvolvimento desde o primeiro ano de idade, os educadores que trabalham atualmente em creches não têm o seu trabalho reconhecido como prática letiva e o seu tempo não é contado para a carreira, com os devidos direitos e deveres dos restantes educadores de infância, o que configura uma situação de enorme injustiça e discriminação profissional, que o programa “Creche Feliz” ajuda a perpetuar.

1  O relatório mais recente da CNE, referente a 2021, não dispõe dos dados da cobertura da rede de creches, nem do tempo em instituição.


Foto de cottonbro studio:

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sexta-feira, 24 de março de 2023

DIÁRIOS DE UM PROFESSOR -3

 JOÃO COSTA NEGOCEIA COM JOÃO COSTA ... E ESTÁ A SER UM ÊXITO.

QUERIDO DIÁRIO: O Concelho de Ministros acaba de aprovar o decreto do Novo Modelo Recrutamento sem acordo com nenhum sindicato e mantendo medidas inaceitáveis para os professores. Uma decisão que espelha bem a bondade com que o Ministério da Educação está a negociar.
Para a opinião pública o Ministro da Educação diz que tem havido aproximações nas negociações com os professores.
Ora eu ouço os sindicatos e fico com dificuldade em percecionar aproximações. Mas de repente percebi, o Ministro tem feito boas aproximações, mas em relação a si próprio e nesse sentido está a ser um sucesso negocial.
João Costa lança propostas inaceitáveis, ajusta-as, transforma-as e consegue reais aproximações a si próprio. Têm sido ventiladas algumas como:
O Conselho de Diretores por CIM proposto pelo ME, passa a Conselho de Diretores por QZP, proposto pelo ME;
As dezenas de QZP propostas pelo ME pretendiam limitar as deslocações, mas depois quem lá ficar terá de concorrer a nível nacional, de acordo com proposta do ME;
Os Quadros de Agrupamento também passam a itinerantes em mais uma proposta do ME que ninguém quer, mas, quer o ME;
A lista graduada afinal é para manter, mas quem a queria ultrapassar era o próprio ME em proposta sua, que depois recua em mais uma aproximação.
A mobilidade foi atacada pelo ME, mas depois fez uma aproximação e anuncia que afinal os professores podem tentar aproximar-se a casa, como aliás sempre devia acontecer, portanto aqui mais uma aproximação fantástica.
E por aí vamos…
Na sequência prevê-se que o ME vá continuar a apresentar propostas inaceitáveis, que tenderá a aproximar a outras igualmente inaceitáveis numa negociação consigo próprio.
Portanto esta negociação está a ser um êxito.
Para quê envolver os Sindicatos neste processo e ter em conta as suas propostas, se tudo está a correr tão bem?

sexta-feira, 3 de março de 2023

DIÁRIOS DE UM PROFESSOR - 2

Serviços Mínimos, Falta de Vergonha Máxima


 
Querido diário: Estes serviços mínimos decretados pelo Colégio Arbitral no passado dia 27 de fevereiro são um ataque violento ao direito à greve e à classe docente. Culmina uma série de outros ataques que o Ministério da Educação decidiu levar a cabo, em alternativa a ser parte de soluções em negociações sérias com a classe.

Começou com a mobilidade e a suspeição levantada em relação à veracidade das baixas, continuou com a tentativa de colocar os pais contra os professores com ataques bacocos e histórias como as queixas que chegam ao ME, passou a pedir a verificação da legalidade das greves e dos fundos de greve, desaguando no desencadear de serviços mínimos, supostamente apenas para as greves por tempo indeterminado e que acabaram por se estender a todas as greves, aumentando os serviços para mais de metade do tempo letivo dos professores, descambando neste triste espetáculo, que basicamente mantém as escolas abertas com a massiva convocação de professores, assistentes operacionais e técnicos.

Este processo de ataque tem origem, meio e fim, numa obstinação irracional de culpar e atacar os professores sempre que a sua luta incomoda e se torna um exemplo de unidade e perseverança para o país.

Como se já não bastasse o ridículo de andar a meter medo com números de milhões pelo tempo congelado, quando afinal foi depois fazer as contas; ainda por cima mantém um simulacro de negociação que se arrasta, tornando pior o que já era mau, tentando enganar a opinião pública sobre a sua bondade, mas que nunca passou de uma atitude incendiária.

Recorde-se que até 2013 a legislação não previa a Educação entre as necessidades sociais essenciais, referidas no Código do trabalho, Artigo 537º. Com as greves às avaliações a Lei Geral de Trabalho, estabelecia serviços mínimos para a Educação, que até aqui não eram considerados, expressos na alínea d) do artigo 397.º, relativo apenas a exames e avaliações finais: “d) Educação, no que concerne à realização de avaliações finais, de exames ou provas de caráter nacional que tenham de se realizar na mesma data em todo o território nacional”.

Nos últimos meses, pela terceira vez os serviços mínimos da Educação são decretados e aprofundados por um colégio arbitral, ou seja, sempre que os professores realizam protestos. Mas desta vez não apenas no âmbito da avaliação, pois ganharam um caráter inaudito de obrigatoriedade de 3 horas de aulas, apoios e serviços escolares, que garantem a escola aberta pelo menos metade do dia, o que mobiliza grande parte de recursos humanos de cada escola. Inicialmente previstos para as greves de tempo indeterminado de um só sindicato, acabam por se estender na prática a todas as convocatórias.

Não estando em causa a avaliação nacional, a letra da Lei é interpretada de uma forma maximalista, o que se tornou em mais um motivo de revolta pelas tantas injustiças que fustigam os professores há tantos anos.

A resposta dos professores não pode ser outra senão manter a unidade, a força do protesto e adesão a todas as formas de luta, independente das organizações em causa ou dos comentários acessórios que só procuram dividir, porque juntos somos imparáveis e quem quiser que venha atrás.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

DIÁRIOS DE UM PROFESSOR -1

Negociar à chico-esperto

Querido Diário: Hoje estive a ver as propostas do Ministério da Educação para as negociações com os representantes dos professores e fiquei impressionado. Espremido é coisa nenhuma, mas é vendido como um grande negócio. A abertura de vagas para vincular contratados e a reformulação da norma travão, são apenas medidas que já deveriam ter sido tomada há anos, não entendo como aparecem como negociação, quando são urgentes para combater a falta de professores, criada pelo próprio ME. Outra é a conclusão que afinal se vai seguir a lista graduada, ou seja, não mexer no que já está. De seguida as vagas para os escalões tampão, que afinal, não eram mais que somar o que já existe. Temos ainda a redução das zonas pedagógicas, mas associadas à matreirice de poder transformar professores do QA em itinerantes. A alteração dos QZP sempre foi feita pelo ME sem dar cavaco ninguém. 

Portanto aquilo que o ME chama negociar é:

- oferecer o que já devia estar feito e fazer crer que se está a fazer um negócio;

- acabar por não alterar o que já está em vigor, como um grande feito negocial;

- lançar uma série de propostas inaceitáveis para, no final, fingir que se cede, fazendo toda a gente perder tempo a negociar o que nunca deveria ter sido colocado em cima da mesa.  

O resultado está à vista após 4 rondas negociais. Ainda nem se falou do que realmente importa. Se para negociar, o ME saiu-me um grande chico-esperto, já para gerir a Educação não encontro grandes competências. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

DEZ RAZÕES DE UMA LUTA ANUNCIADA

 



Tentar fazer crer que a luta dos professores se resume a aspetos de contratação, é não querer, ou não saber, abordar este assunto com seriedade. Os protestos são o rebentar de uma situação com mais de 15 anos, de desrespeito, de perda de rendimentos, de trabalho excessivo, de más condições e precariedade. Esta luta é mais que justa e os principais motivos posso resumi-los em 8 pontos:

1. Contagem integral do tempo de Serviço: Têm que ser repostos os 6 anos, 6 meses e 23 dias retirados aos professores e nunca devolvidos. Trabalho e descontos efetivamente feitos, mas nunca contabilizados para a carreira.

2. Fim da precariedade de contratação: Professores com décadas a prazo, deslocações sem apoio, salário insultuoso. A entrada na carreira pode demorar 15 anos ou mais. Os concursos foram desenhados para manter eternos contratados. São necessárias vagas de quadro e critérios razoáveis de efetivação, bem como apoios à deslocação e completar horários.

3. Valorizar uma Carreira Travada: Quando finalmente se entra na carreira, o docente começa a contar do zero. Depois temos os dois escalões travão (vagas de acesso ao 5º e ao 7º) e a Avaliação de Desempenho Docente, ADD; com quotas (só 25% progridem). O resultado é a impossibilidade em progredir e atingir os escalões superiores na carreira. É fundamental que todos os docentes possam ter a possibilidade de chegar ao topo da carreira de forma justa e razoável e não ficar eternamente a meio como hoje acontece.

4. Melhorar os salários: Se não se progride, nem há aumentos, ou estes são abaixo da inflação, perde-se poder de compra. Isso acontece há 15 anos, sendo real a perda de poder de compra da classe em relação a uma década atrás. Hoje os docentes ganham praticamente o mesmo que há 15 anos.

5. Pensões dignas e regime específico: Com o problema salarial causado por uma carreira estagnada, as pensões sofrem, dado o valor com que os docentes se reformam, onde ainda se faz a média dos últimos 15 anos. Isto numa carreira que passou a reformar-se em média 10 anos mais tarde. Descontamos mais anos, reformamo-nos com menos. Será ainda importante um regime específico de aposentação antecipada com despenalização de acordo com um carreira de desgaste rápido.

6. Justiça para a Monodocência: Os educadores e professores do 1º Ciclo trabalham semanalmente em média mais 6 horas e 40 m letivas que os restantes colegas do ensino básico, o que significa que no final da carreira contribuíram mais 18 anos de serviço. É de elementar justiça que a igualdade seja reposta, ou se encontrem mecanismos de compensação como pré-reforma ou aposentação antecipada.

7. Respeito pelos horários e condições de trabalho irrealistas: Aumentaram os alunos por turma, as tarefas burocráticas e o trabalho inútil. As constantes mudanças e exigências irrealistas colocadas aos professores, afastam-nos do tempo necessário a dedicar ao ensino. A falta de recursos humanos e materiais, os horários sobrecarregados e o ambiente de cansaço e desalento reinam nas escolas portuguesas. Os horários devem contemplar tempo para todas as tarefas dadas aos professores, salvaguardando  a preparação de aulas e tarefas inerentes ao trabalho com as turmas, bem como reuniões e outras tarefas extra, para que tenham um horário de trabalho que lhes permita um mínimo de repouso e qualidade de vida.

8. Democracia nas Escolas: A criação de uma organização onde a democracia foi posta em causa, através da figura do Diretor omnipresente, bem como a excessiva ingerência das autarquias nos Agrupamentos, completam um quadro, que transformou a escola num local penoso,em permanente tensão, competitivo e triste.  É fundamental na melhoria da Escola Pública a reposição de uma gestão democrática participada maioritariamente pelos professores, onde estes sejam atores e gestores das escolas conforme a sua formação deveria determinar e onde se revejam e sejam valorizados.

9. Concursos competentes e justos. Se o cocncurso tem problemas, isso não pode ser pretexto para ser destruído e manietado a desfavor dos professores. Os concursos têm de ser atempados, ágeis e competentes,  espelhando as vagas reais, a mobilidade interna e mobilidade por doença, que garantam o direito à saúde, ao apoio à família e à  aproximação à família, nunca perdendo a lista graduada nem preverter um concurso que no passado já foi uma boa solução.

10. Investimento na qualificação das escolas. O investimento na Educação e nas escolas é fundamental, não só para os alunos, como também para os professores terem boas condições . É necessário um programa robusto de investimento que represente 6% do PIB para a requalificação dos edifícios e equipamentos escolares, bem como os recursos humanos técnicos e auxiliares. Para isso é necessário um levantamento das escolas, uma calendarização e um plano de investimento em recursos humanos, edifícios, espaços de trabalho, mobiliário, climatízação, equipamentos, material didático, equipas multidisicplinares, entre outros. 

A solução para a falta de professores só pode basear-se na valorização da carreira dos que ainda cá estão e torna-la atrativa para os que virão. Defender a Escola Pública é respeitar os seus profissionais e investir nas escolas. Tudo o resto é cosmética.


segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A falta de professores deve-se à deterioração das carreiras e isso não se resolve com medidas pontuais.


Este ano letivo regressaram às aulas cerca de 1 milhão e 300 mil alunos do pré-escolar, básico e secundário, com os efeitos reais da falta de professores a fazerem-se sentir. Estamos perante um sistema com 60% dos profissionais a atingirem a idade da reforma nos próximos 8 anos, acrescidos de um abandono acelerado e reformas antecipadas a piorarem as previsões. Situação mais que previsível, mas que aparece mascarada de fatalidade, quando na realidade tem razões para acontecer. Para encarar esta situação, temos primeiro de perceber as suas causas e como chegámos até aqui.

As causas: Não há fatalidades, mas sim intencionalidades.

Nunca é demais relembrar que isto se deve a uma gestão desastrosa dos recursos humanos em educação com cerca de 15 anos, que se focou em critérios meramente economicistas, criando uma situação draconiana em relação ao acesso à carreira, à progressão e à valorização da mesma. Os concursos foram piorados para dificultar o acesso, resultando na precariedade dos contratados, que se tornou insustentável.  Chegámos ao ridículo de ter profissionais ainda contratados, com dezenas de anos de trabalho e média de 45 anos de idade, bem como professores do quadro com dezenas de anos de serviço, congelados vários anos em cada escalão tampão, sem perspetivas de subir na carreira.

As normas travão e de congelamento nas carreiras, foram pensadas para evitar essa mesma progressão, em articulação com uma avaliação do desempenho, desenhada para bloquear a esmagadora maioria dos professores nos dois escalões tampão, que, articulada com as cotas, impede a chegada aos escalões mais altos.

Paralelamente, aumentaram os alunos por turma e difundiu-se a ideia de que haveria professores a mais, o que resultou em milhares de desempregados, a par de outro tanto que acabou por abandonar a profissão. Esta “construção”, foi ainda acompanhada pela destruição da imagem dos professores, que passaram a ser considerados como mal preparados, calões e privilegiados.

A divisão para reinar facilitou a deterioração das carreiras e o aumento da carga de trabalho dada aos docentes, grande parte dela inútil e que os afasta da sua tarefa essencial. Os mega agrupamentos e a figura do diretor omnipresente, instalou igualmente nas escolas um clima que facilita as atitudes de prepotência e centralismo, contrário ao desejável ambiente democrático e participativo na gestão e nas decisões.

Todo o cenário foi também útil para a diminuição dos rendimentos efetivos dos professores, bastando analisar meros recibos de vencimento dos últimos 15 anos, para se perceber que cada professor ganha, em média, menos 6%, que nessa altura, acrescido com uma perda de poder de compra de cerca de 20% até 2021, mais a inflação atual de 2022. Este “contributo” monetário somado ao tempo de serviço congelado e nunca contabilizado, representa perdas de poder de compra brutais.

A isto acresce o aumento da carreira contributiva, através da subida da idade de reforma entre 7 a 12 anos, mediante o ciclo, que veio fazer desmoronar os projetos de vida e a justiça de uma carreira que ainda pudesse ser minimamente atrativa, para além dos reflexos que isso tem nas condições de saúde, de trabalho e qualidade do ensino.

O resultado de tudo isto é uma classe desmotivada, desiludida, sem perspetivas de carreira e com ordenados baixos, originando a crescente falta de professores, quer por abandono, quer também pela idade de reforma ou sua antecipação. Entretanto não foi acautelado que se formavam professores em número suficiente para as mais que previsíveis saídas devido à idade.

Não adianta vir agora escamotear as razões dos problemas, ou dizer que é global, porque isto radica na desastrosa gestão e na degradação de uma carreira altamente desprestigiada por quem a devia promover, com fatores gritantes de injustiça e uma desvalorização humilhante. Hoje, deixamos de ouvir arautos do excesso de docentes, da delapidação da sua carreira e dos seus projetos de vida, que propagandearam os privilégios da classe e a sua impreparação. Aqueles que deveriam ter sido os responsáveis por pensar a escola e os seus professores para o futuro, andaram tão entretidos a poupar dinheiro, que só acordaram quando os alunos começaram gradualmente a ficar sem aulas. Enquanto isso, andaram também a acolher as preocupações dos pais e da economia, aumentando o tempo de permanência na escola, com ideias como a “escola a tempo inteiro”, nem se apercebendo que estavam, na realidade, a construir uma escola sem os professores e uma escola literalmente sem professores.

Esta gestão lesiva do sistema público de educação em Portugal, leva-nos a questionar se não estaremos perante uma intencionalidade política da sua fragilização, pela consideração que o dinheiro para a educação é uma despesa e não um investimento, abrindo a porta a outro tipo de modelos. Uma ideia seguramente muito aliciante para quem quer fazer da educação um negócio; mas claramente promotora de desigualdades e atentatória de uma sociedade sem assimetrias, mais justa, mais qualificada, com a escola pública universal como centro da nossa forma de ver, pensar e viver como povo.

As soluções: Não avançamos sem investimento nas causas estruturais dos problemas

É fundamental investir na escola pública precisamente na área da atração de novos profissionais e dos que abandonaram, bem como na fixação dos existentes. Isso requer atualizações salariais dignas, carreiras justas, perspetivas de acesso à carreira, com o fim dos escalões tampão e uma avaliação que promova a qualidade do ensino e não esta injustiça de deixar antecipadamente claro aos docentes que, por muitos anos que trabalhem de forma excelente, não vão conseguir.

Requer ainda a vinculação e fixação dos professores nos quadros de forma rápida, mudar a norma travão, reposicionando os professores de acordo com o tempo de serviço, bem como a possibilidade de completar horários parciais. Os concursos nacionais têm de começar mais cedo e ser mais céleres, sem as burocracias e delongas “informáticas” atuais, embora se deva continuar a manter a ordem das listas nacionais, prevenindo injustiças e assimetrias, mesmo na fase de contratação por escola. Será um erro abandonar os concursos nacionais, ainda por cima sob a justificação de que, quem os implementa não o consegue fazer como deve ser.

É necessário reduzir a área dos Quadros de Zona Pedagógica, reposicionar e pagar aos professores contratados de acordo com o seu tempo de serviço e prever os apoios aos deslocados, que deixam a família para trás, pagando duas rendas e deslocando-se centenas de quilómetros. O preço das rendas em muitas zonas do país são, por si só, um fator de abandono. Os que ficam, pagam para trabalhar e mantêm-se na precariedade por décadas, o que não passa de uma forma inaceitável de exploração.

Por fim temos de respeitar a democracia e a participação nas escolas, evitando climas de autoritarismo e medo, apostando num local onde se possa participar e gostar de trabalhar. Nessa linha, o horário de trabalho dos professores tem de ser respeitado, bem como as suas funções de ensino, com tempo para dedicação aos seus alunos e suas famílias e de preparação de aulas, em vez de os sobrecarregar com tarefas inúteis, decorrentes de um desnorte pseudorreformista irrealista, feito à margem dos professores, que não qualifica a escola, nem resulta na sua melhoria, apenas sacrificando o essencial.

Bem a propósito, a Organização das Nações Unidas, ONU, na cimeira “Transformação da Educação 2022”, realizada neste mês de setembro, assinala os cinco pontos que os governos devem seguir para transformar a educação:

1. Aumentar o investimento em sistemas públicos de educação de qualidade;

2. Garantir direitos laborais e condições de trabalho decentes;

3. Investir em formação e desenvolvimento profissional de professores de qualidade;

4. Confiar e respeitar os professores e os seus saberes pedagógicos;

5. Envolver os sindicatos dos professores na decisão política, através do diálogo social.

 

O que temos: Remendos de emergência, para que o fundamental fique na mesma

Chegados aqui, poderíamos pensar que na base de um diagnóstico realista, seriam planificadas uma série de medidas a curto, médio e longo prazo, sanando os erros sucessivos do passado nos concursos, na carreira, na organização escolar e nas condições de trabalho, qualificando o sistema. Infelizmente, não se pode esperar que os responsáveis pelos problemas, os possam resolver, conforme mostram as medidas efetivamente anunciadas.

A medida de repensar a mobilidade por doença é insólita, quer pelo facto de não aumentar o número de professores, quer também pela mensagem para a opinião pública, colocando também em causa os atestados médicos e a veracidade desses pedidos. Uma classe que se reforma dez anos mais tarde, que está envelhecida, com familiares a seu cargo, mas ainda a trabalhar e com a saúde cada vez mais degradada, não pode ser tratada assim. Desenganem-se quem pensava que as velhas estratégias de levantar suspeitas sobre a idoneidade dos docentes, tinham ficado no passado.  Se há problemas, que se fiscalize, mas ofender toda uma classe, é começar muito mal a lidar com este assunto.

Há também a mudança nas habilitações para a docência, baixando o nível de exigência e abrindo as portas para um nivelar por baixo, quando se pretende qualificar a educação pública e não regressar aos anos oitenta. A formação e as habilitações têm de ser encaradas de forma séria e não usar a atual situação para diminuir a qualidade da escola pública, antes pelo contrário.

Paralelamente abre-se a hipótese das contratações diretas pela escola, em vez da melhoria e otimização da contratação nacional. Não pode valer tudo para agilizar, quando não se consegue melhorar os concursos, nomeadamente pondo em causa a graduação nacional, que garante a justiça do processo. Os riscos de contratações pelos diretores, são imensos e podem piorar o que já não é bom, acrescentando arbitrariedades, injustiças e assimetrias. Sem falar na municipalização, que espreita e que pode contribuir para destruir a universalidade imparcialidade e justiça do sistema. O Ministério da Educação não se pode demitir de fazer um trabalho sério nesta área.

As restantes medidas de curto prazo anunciadas pelo Governo, como a formação de quem quer regressar, estágios profissionais, ou mudanças de pormenor nos concursos, não passam de cosmética para evitar melhorar as carreiras e as condições da profissão, ou resolver problemas estruturais nas carreiras e concursos.

Conforme tantos gostam de dizer, as dificuldades devem ser encaradas como oportunidades, por isso precisamos de um plano para o futuro, a começar pela de qualificação da escola pública e dos seus profissionais.

A resolução da falta de docentes não se faz com remendos de curto prazo, de eficácia duvidosa e que não tocam no essencial, perpetuando a velha máxima de atamancar alguma coisa, para que o fundamental não mude.

 

Jorge Humberto Nogueira

Professor.

Mestre em Educação Especial e Inclusão


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