Desde
os anos 70 se defende a igualdade de direito à educação para todos e a
transformação da escola como forma de responder à universalidade de acesso e de
sucesso. A ideia de aprender juntos com respostas adequadas, obriga a mudanças
nas atitudes e nas práticas pedagógicas, bem como na organização, gestão, financiamento,
recursos, formação dos docentes, nos currículos e, especialmente, na
compreensão de que as barreiras estão na sociedade e não na pessoa, rejeitando respostas
paralelas ou artificiais, face ao contexto natural onde a aprendizagem e o
desenvolvimento devem ocorrer.
As conquistas do 25 de Abril de 1974,
permitiram uma transformação na forma de olhar e educar as pessoas com deficiência,
que até então estavam excluídas ou beneficiavam de alguns projetos pontuais
ligados a Associações, passando a desenvolver-se uma política de igualdade de
direitos, com uma massificação de respostas, quer em cooperativas de pais, quer
na integração no ensino regular.
O Estado assumia a educação de todos sem
exceção, através da Constituição Portuguesa de 1976 e a Lei de Bases do Sistema
Educativo de 1986, introduzindo o conceito de escola para todos, que permitiu a
integração progressiva no ensino público dos alunos com Necessidades Educativas
Especiais.
Finalmente em 1991, foi publicada a primeira
legislação específica, o Decreto-Lei 319, que responsabilizava a escola e todos
os professores, pela educação destes alunos, apontando práticas pedagógicas
diferenciadas e a implementação de medidas de apoio para responder às
diferenças. Em 1997 o Despacho Conjunto 105º, veio reforçar este caminho,
criando localmente Equipas de Coordenação dos Apoios Educativos (ECAE), procurando
integrar todas as respostas, coordenar a atuação dos professores e aprofundar a
diferenciação curricular.
Em 2018 o Decreto-Lei n.º 3 revogou os
anteriores, aprofundando o conceito de Educação Inclusiva e a sua implementação
através de medidas específicas, mas destinadas à Educação Especial, isto é, a
uma população específica. Esta dicotomia, a par da classificação de alunos como
forma de acesso às medidas e a criação de processos burocráticos complexos, criaram
contradições com o próprio conceito de inclusão. Há um desvio do caminho
anterior de unificação e articulação de respostas, criando uma lei de Educação
Especial com o propósito de incluir os “seus” alunos.
A desejada “contaminação” daquilo que vinha
sendo implementado no “Especial”, nunca foi bem conseguida, dado que isso
representaria mudanças muito mais profundas no sistema, na formação de
professores e no reforço financeiro, que nunca se resolveram. Estas continuam a
ser as barreiras principais à concretização de uma escola onde todos possam
aprender juntos.
Temos finalmente o atual Decreto-Lei nº
54/2018, que pretendeu decretar um regime de Educação Inclusiva, sem resolver
as barreiras anteriores, nem encontrar soluções substancialmente diferentes.
Usa uma retórica inclusiva, mas na prática não generaliza a inclusão a
toda a escola, propondo essencialmente uma mudança circunscrita à forma como
atender alunos com Necessidades Específicas, quando o resto falha. Persistem ainda outros problemas como
a forma de olhar a participação e autodeterminação, bem como os aspetos da
progressão e certificação, nunca clarificados.
Apesar deste caminho ter uma evolução
assinalável e representar um esforço nacional, há condições essenciais que
nunca mudaram realmente e que se mantêm como barreiras, nomeadamente a
dificuldade de operar mudanças numa organização e gestão escolar que se quer democrática,
na diferenciação curricular e das práticas; na falta de recursos e de equipas, assistentes
e professores especializados e na dificuldade de ter um olhar integrado de um
sistema onde todos os professores são de inclusão.
A
linguagem tornou-se ainda mais estigmatizante, como “os alunos da educação
inclusiva” e veio legitimar a invisibilidade de necessidades e práticas
incorretas, ou manter as anteriores com uma linguagem criativa. Aprofundou um
sistema burocrático labiríntico e interpretações díspares por todo o país, que
denotam assimetrias e desorganização. São ainda criadas estruturas paralelas
artificiais, desconectadas da organização natural escolar, que os Agrupamento
nunca conseguiram resolver. Isto revela que, para além das barreiras principais
se manterem, a própria legislação tornou-se numa barreira, mudando algo, para
que tudo fique na mesma.
O
conceito de inclusão é hoje transversal na sociedade, mas cabe à escola um
papel fundamental na sua defesa e implementação, não só para os alunos com
deficiência, mas para todos os que apresentam insucesso ou risco de exclusão
como os jovens desfavorecidos, imigrantes, refugiados, LGBTQI, com problemas de
saúde, vítimas de violência familiar ou bulliyng, de etnias, minorias
religiosas e culturais ou aqueles a quem a escola falhou.
É
essencial uma nova arquitetura legislativa a partir da avaliação independente dos
investimentos e da aplicação da atual legislação, no sentido de aferir se
realmente estamos a cumprir os objetivos e a contribuir para melhorar a
inclusão num sistema educativo mais equitativo e qualificado em todo o país.
Temos
de reforçar o caminho de uma escola pública que recusa a reprodução das
desigualdades, das quais não conseguiu libertar-se, apesar da democratização e
da igualdade de oportunidades que defende. A inclusão social começa a ser
construída pela Educação Inclusiva, que é afinal uma educação de qualidade, libertadora,
numa escola democrática que promove a justiça.
Jorge Humberto Nogueira
Professor de Educação Especial e Dirigente Sindical
Mestre em Educação Especial, investigador, autor e formador na área da
Inclusão.
Artigo originalmente publicado na Revista do SPGL "Escola Informação", n.º311, pgs. 28 e 29.
https://www.spgl.pt/Media/Default/Info/81000/800/60/8/EI%20%20311.pdf
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