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terça-feira, 16 de junho de 2020

Cara tapada - Vida amputada

Quando um bebé olha para a cara da mãe, ele reconhece-a, ri-se e adora aquela pessoa que cuida e dá afeto. Ele gosta dessa cara apenas porque cuida dele? Não. Reconhece-a porque cuida em todas dimensões do seu desenvolvimento e porque fala com ele através das expressões. Ele vai então ligar-se a essa pessoa de forma visceral. Com ela vai começar a tornar-se uma pessoa e vai aprender muitas coisas, uma delas é a comunicar. Comunicar verbalmente apenas? Não. Vai aprender a comunicar principalmente com o corpo e muito particularmente com as expressões faciais. A enorme quantidade de músculos na zona facial, permitem uma riqueza de comunicação expressiva imensa. Nós não nos apercebemos disso, mas basta experimentar olhar para uma pessoa que fala, e depois apenas ouvi-la. 
   Parece muito mais difícil perceber o que ela diz, fazemos um maior esforço para entender. Porque falta uma parte essencial da comunicação que é universal. Apesar de ao longo da vida nós passarmos a usar preferencialmente a escuta e depois a oralidade, o corpo mantém-se sempre como a nossa natural e básica forma de aprender e comunicar. Acredita-se que a comunicação foi a vantagem biológica que nos permitiu evoluir de um primata, para o que somos hoje e que essa capacidade de um núcleo familiar, permitiu dominar a planeta, ao ponto de todos descendermos dele.
   Organizar uma caçada, transmitir qualquer tipo de conhecimento, gerir uma comunidade, passou a ser um ato essencialmente de comunicação, que desenvolveu em espiral todas as dimensões do nosso desenvolvimento. Assim acontece também com cada um de nós, pois começamos a ser pessoas pela comunicação com alguém com quem estabelecemos laços de vinculação.
   Olhar para a cara de uma pessoa quando comunicamos com ela diz-nos muito mais do que apenas ouvi-la. Aliás, conseguimos até perceber aquilo que ela não nos está a dizer. É pela expressão facial que nós lemos a luz interior, a beleza e as emoções. A cara, é uma extraordinária máquina de comunicação, que permite até falar sem voz.
   E como aprendemos a comunicar pela cara? Como aprendemos a comunicar no geral, pelo contacto muito íntimo com outras pessoas. Esta maravilhosa tecnologia biológica que é a nossa cara é a base das nossas relações, afetos e é fundamental para a nossa evolução positiva. Uma sociedade de cara tapada, perde tudo, desaprende tudo, amputa grande parte daquilo que somos.
Pensar que a partir de agora e até sabe-se lá quando, vamos andar de máscara em situações sociais, é aterrador. Pensar que vamos conseguir ensinar crianças e jovens a conhecer o mundo e a relacionarem-se com os outros, bem como a comunicar plenamente, é um engano. É triste este novo mundo, onde não veremos a cara dos outros. É contra toda a nossa natureza como espécie e contra a nossa própria integridade individual. Ninguém se torna humano numa sociedade de caras tapadas.
   É por isso que vejo com enorme tristeza os dias que se avizinham e com preocupação a abertura das escolas em setembro, onde, com o chegar do inverno, muito possivelmente estaremos todos de máscara e afastados uns dos outros. Isso não é escola, não é educação. Mas mais preocupado fico com os bebés nas creches e nos jardins de infância. Não podemos ter bebés em creches oito horas por dia durante os principais meses das suas vidas com cuidadores de cara tapada, porque essa é toda a negação da nossa humanidade e perdem-se meses fundamentais no seu desenvolvimento, que nunca mais serão recuperados. Uma situação potenciadora de problemas. Isto sem falar que, até ao ano e meio a dois anos, o lugar das crianças é com a mãe, ou com a sua figura de vinculação que representa esse vínculo afetivo fundamental.
   As creches já por si representam um mal menor, numa sociedade que obriga as pessoas a abandonarem os seus filhos para poderem trabalhar, mas tornar esses lugares tenebrosos e agressivos para o desenvolvimento de uma criança, colocando máscaras em todas as caras, deveria ser muito pensado. Na minha opinião, como sociedade, deveríamos proteger a essência da nossa espécie e o bom desenvolvimento das nossas crianças, permitindo melhores condições para as famílias cuidarem dos seus bebés. Isto sim, seria uma solução promotora de uma futura geração bem desenvolvida e afetivamente bem preparada. Antes de pensarmos em creches e soluções de cara tapada, pensemos no apoio à parentalidade e à natalidade, dando aos pais a possibilidade de criarem e educarem os seus filhos, numa fase tão delicada e que marca de forma definitiva o nosso desenvolvimento enquanto seres humanos.

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