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terça-feira, 16 de junho de 2020

Há vida para além do PC

Nos anos 60 acreditava-se que os computadores podiam substituir os professores. Eram mais perfeitos, pacientes, não se aborreciam com as respostas erradas e esperavam o tempo que fosse preciso. O aluno poderia treinar vezes sem conta e ir subindo de níveis de conhecimento, motivado e autónomo na busca pelo saber. Mais tarde percebeu-se que o ensino e treino assistido com computador, não promoviam desenvolvimento nenhum, nem aprendizagem e que todas essas experiências se revelaram um desastre. Mas porquê? Porque não há desenvolvimento sem interação com outras pessoas e não há ensino sem um professor. 

As pessoas são insubstituíveis e nós somos uma espécie gregária que não se desenvolve sem uma tribo e não aprende sem os outros, muito menos sem adultos qualificados. Daí que os contextos de aprendizagem e os agentes de ensino, são mais importantes do que o aquilo que se ensina. O caminho, supera o fim. Os processos, são mais importantes que o resultado. Isto faz parte da nossa espécie e é incontornável. Uma criança, sem pessoas por perto, não se torna num ser humano. Esta ligação umbilical entre os seres humanos, torna-nos numa espécie fantástica, que apenas prospera em grupo.

Por isso não há escola à distância. Isso não existe. Nada substitui a escola como o contexto natural onde as aprendizagens ocorrem. E não é só porque na escola há professores, mas também porque na escola há outros alunos. O que aprendemos com os outros é, tão importante como o que aprendemos com os Mestres. O saber não é apenas académico, é construído por experiências, comunicação, afetos, relações, confrontos.

Com esta pandemia, ficou isto muito claro. E ficou ainda mais claro que a tecnologia por si, não substitui nada. Os computadores são meras ferramentas, tal e qual um caderno e um lápis. Tudo vai depender da forma como forem utilizados. Eu posso ter um computador por aluno numa sala e esses alunos terem uma aprendizagem de menor qualidade em relação a uma turma com livros e cadernos. Da mesma forma que ter um computador em casa, de nada serve, se não soubermos usá-lo para nosso desenvolvimento. Se não o usarmos para descobrir, explorar, viajar, comunicar.

Por tudo isto, é preciso não entrar em grandes eforias com essa ideia que agora vai sendo falada, dos alunos terem um computador e das escolas ensinarem com computadores. Numa família, onde não se lê um livro, onde não se debatem ideias, onde não se conversa, onde não se comentam notícias, onde os jovens não são acompanhados, amados e onde não se incentiva o conhecimento e a curiosidade; de nada serve colocar lá um computador.

Da mesma forma que numa sala de aula, onde o professor transmite o conhecimento de cima para baixo, sem inquietar os seus alunos, sem desenvolver a criatividade ou sentido crítico, onde não há autonomia nem gosto por aprender; pode haver mil um computadores nessa sala, que não estão lá a fazer nada.

Os computadores são apenas ferramentas e os benefícios do seu uso, refletem a forma e os objetivos do seu uso. Antes e durante a existência de um computador há que cuidar de aspetos mais importantes na vida das famílias, como as desigualdades, a pobreza, a falta de perspetivas, a perda do foco no que é realmente importante, para além de apenas lutar para sobreviver ou ter um mínimo de estabilidade, conforto, de cuidados de saúde ou de paz de espírito.

Também nas escolas, antes de pensarmos nos computadores, temos de cuidar da pedagogia, do sucesso, do desenvolvimento de capacidades, na utilização de competências mais interessantes como a análise, a criatividade, a capacidade de avaliar através de valores, o sentido crítico.

Se pudermos fazer tudo isto com os computadores ao nosso lado, cuidando da inclusão digital, tanto melhor, mas nada disto se consegue pela simples existência dos mesmos. A qualidade do ensino e o combate às desigualdades, não dependem da presença de um computador.


Já que a pandemia nos tem trazido esta visão mais tecnológica da vida, não vamos voltar a cair no fascínio desinformado pelas tecnologias, como se elas pudessem substituir o que é realmente importante na nossa vida e a sua simples presença, fosse um fim em si mesmo.


Publicado originalmente no meu Facebook a 28 de abril durante período de quarentena.

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