A duas semanas de férias, o
Ministério da Educação apresentou finalmente um conjunto de orientações para a
abertura e funcionamento do ano letivo em setembro, cuja preparação já desde
maio poderia estar em curso, dado que sempre se soube a necessidade de
equacionar cenários de contingência.Para além de atrasado e de não ter
envolvido os principais intervenientes, este conjunto de ideias, tenta
mistificar o que a realidade demonstra: não há recursos financeiros para
desenvolver o ensino presencial com afastamento social, pelo que o seu anúncio
como prioridade e a manutenção de orientações em diversas áreas, como se o presencial fosse uma possibilidade, pode ser uma forma de pressionar as escolas
para solucionarem a situação, quem sabe, esquecendo o distanciamento social de segurança nas salas.
A retórica do ensino presencial como
prioridade está desfasada das condições objetivas no terreno e medidas
que possam sustentar esse desígnio, pois nada daquilo que seria importante para
implementar o presencial está a ser feito, nomeadamente a redução/desdobramento
e aumento de professores.Temos assim uma proposta de Plano A,
condenada à partida, porque não cabem todos os alunos da turma dentro das salas
por falta de espaço e pelas mesas serem duplas. Isso requer investimento. Logo,
a redução ou o desdobramento das turmas, seria a solução. Acontece que as
turmas não vão ser reduzidas, uma proposta do Bloco no Parlamento que foi
chumbada e que resolveria verdadeiramente a situação. Qualquer destas duas
opções redução ou desdobramento, exigiria o aumento significativo de
professores a ser contratados e o ME não assume os custos. Ou seja, o Governo
sabe que o ensino presencial não é possível de compatibilizar com o afastamento
social, sem aumentar os custos com professores.Mesmo nos chamados grupos
prioritários, até ao 2º ciclo, e cujo ensino presencial é fundamental, não são
apresentadas medidas para o tornar possível, nomeadamente a redução das turmas
ou contratação de professores. Portanto de nada serve dizer que são
prioritários, porque será impossível cumprir o distanciamento. Nem para estes
alunos é feito qualquer esforço de investimento que possa ir de encontro à
retórica.
Em resumo: o ensino presencial não vai ser possível porque não há dinheiro. Que isso seja assumido, em vez de andarmos a fingir que vamos priorizar uma coisa que sabemos condenada à partida. Nem os grupos prioritários.
MAS ATENÇÃO: A não ser que, de repente, as normas de afastamento social da DGS sejam contornadas para as escolas e se ache possível ter as turmas atuais nas salas atuais sem o afastamento exigido a todas as outras atividades. Com efeito, esta ideia que à partida parece só poder existir na cabeça de pessoas sem o mínimo preocupação pela saúde dos outros, não parece assim tão fora da coagitação do ME, particularmente do Ministro.Senão vejamos. No pré-escolar, os alunos vão estar todos nas salas sem redução de grupos, e sem uso obrigatório de máscara. Questionado pelo Expresso, sobre esta situação de risco potencial, o ministro afirma que as regras para mitigar os riscos “não se cingem ao afastamento social”, elencando a separação entre grupos a desinfeção de materiais e das mãos etc, dando a entender que chegam. E aqui fez-se luz. O Ministro não afasta a ideia, antes pelo contrário, de ser omitida a distância social dentro das salas e, obviamente fora delas por arrasto, acrescentando ainda a ideia perigosa de que “não temos nenhum caso conhecido de propagação em meio escolar”, referindo-se às situações atuais em que o contagio terá sido feito fora das escolas. Mas que contas são estas se as escolas estão fechadas? Uma minoria residual de alunos tem atualmente aulas presenciais e mesmo assim há largas dezenas de casos conhecidos que fecharam estabelecimentos. Os próprios pais tiveram medo de deixar os filhos nos JI que funcionaram a 10%. Esta insinuação de que nas escolas não se tem transmitido o vírus, com base numa realidade que não tem nada a ver com o que se avizinha, parece um ensaio perigoso para justificar o injustificável. Eu não quero acreditar, que o ME, na ausência de investimento no afastamento dos alunos e dos professores, nem que fosse nos grupos prioritários, vai admitir um cenário de total ensino presencial sem diminuição dos grupos por sala/turma. Assumir este tipo de risco, com a ligeireza com que é insinuado, por falta de investimento, é bem revelador do tipo de intenções que se vislumbram nos nossos responsáveis. Tanto que o Ministro remata a resposta com a frase “no 1º ciclo é isso que teremos”, referindo-se ao pré-escolar e à medida de isolamento dos grupos entre si, para no caso de um aluno apanhar só esse grupo é isolado, ou seja, distância social no Pré e 1º ciclo dentro de sala com redução de turma, parece não ser importante. Nas orientações do Ministério pode ler-se que nas salas "sempre que possível deve manter-se um distanciamento físico entre alunos e aluno/docente de, pelo menos 1 metro". Mas nas normas da DGS o distanciamento entre pessoas deve ter no MÍNIMO 2 metros. É esta a forma de conseguir priorizar o ensino presencial nos mais novos e pelos vistos, em todo o ensino: contornar as normas de segurança. Percebo agora a confiança do Ministro. Só espero que as escolas e os pais percebam a tempo e não embarquem em aventuras que lhes podem sair caras em termos de responsabilidade.
Plano B sem plano
Passamos então para o Plano B, ou
seja, ensino misto, que é a realidade óbvia e possível de setembro, caso as
normas de afastamento da DGS sejam válidas para as escolas portuguesas. Nesta
modalidade, por razões de afastamento, parte da turma está na escola, enquanto
a outra metade está em trabalho autónomo ou síncrono online. Depois trocam as
metades. Dado que se mantém a falta de investimento na contratação de
professores, o tempo presencial na escola será sensivelmente metade do atual
horário presencial, em virtude dos horários dos professores e do tempo letivo existente.
Portanto o Plano B, de ensino misto, quer na realidade dizer que metade do
tempo que os alunos têm de aulas será passado na escola e a outra metade em
Ensino à Distância, quase totalmente em trabalho autónomo, já que as sessões
síncronas serão extremamente mitigadas, pois os docentes têm de assegurar dois
turnos presenciais, o que lotará os seus horários.
Esta parte à distancia já se
revelou extremamente problemática e desigual anteriormente e não há razões que
nos levem a crer que irá melhorar, por 3 razões essenciais: a primeira porque
os alunos continuam sem meios tecnológicos; a segunda porque se mantém uma
elevada iliteracia tecnológica em muitos alunos e em muitas famílias e em
terceiro lugar porque os professores vão estar sobrecarregados com dois turnos
de ensino presencial, pelo que o tempo dos alunos em casa será essencialmente
autónomo, dependendo de apoios e desenvolvimento pessoal que muitos alunos não
têm. Para além da não existirem meios tecnológicos logo à partida.
Torna-se, por isso, óbvio que há duas áreas que
neste momento necessitavam de orientações claras: a avaliação e os currículos.
Como é que se pode pensar que os alunos passem metade do ensino fora da escola,
que se mantenham as formas de avaliação, os critérios, os exames, a aferição, e
a totalidade das aprendizagens do currículo? Mais uma fantasia do ME, que nem
cria condições objetivas para um Plano B. Por um lado, as dificuldades do
ensino à distância mantêm-se e por outro lado, quer fazer-se crer que
tudo vai continuar como dantes nos currículos e na avaliação, numa situação em
que os alunos só terão metade do enino presencial. E aqui nem estamos a falar
de investimento financeiro, estamos a falar de organização, planeamento e
realismo, para além da necessária competência técnica e conhecimento da
realidade do sistema. Um Plano B bem organizado, com apoios e com planificação
atempada iria ser também uma boa forma de prevenir o Plano C, que, caso se
venha a implementar, será um dos maiores problemas que o ensino português
alguma vez terá de enfrentar. Nessa altura virão à pressa dizer que afinal os
exames assim e os currículos assado, como sempre apagar fogos a correr atrás do
prejuízo.
Não se aprendeu com a experiência?
No entanto, há um conjunto de medidas
e investimentos que foram anunciados. Isto resolve a situação? Não. Porque o
essencial está dito em cima. As medidas anunciadas não encaram as questões de
frente, são paliativos para mistificar a falta de investimento em medidas
essenciais. Destacamos três delas:
1-
Reforço de horas e professores, no equivalente
a 2500 horários completos. Dito assim parece fantástico. Mas o sistema tem
mais de 1 milhão e seiscentos mil alunos para cerca de 145 mil professores, dos
quais mais de 70% têm mais de 50 anos, pelo que este mini investimento não vai
servir para dividir grupos, nem daria sequer para impor o afastamento social
nos grupos prioritários. Nem deve chegar para repor os professores que estão em
grupo de risco e que vão ficar de atestados médicos. Segundo o ME, estas horas
de docência são destinadas a coadjuvações, apoios a alunos com mais dificuldades,
apoio tutorial específico, entre outas tarefas de compensação das matérias não
dadas. Claramente insuficiente, esta medida, permite alguns apoios e é melhor que nada,
mas radica na ideia de que vamos ter um ano normal, onde se vão recuperar as
aprendizagens não efetuadas num período inteiro e ainda se vai dar todo o
currículo, bastando umas compensações e apoios de umas semanas.
2-
Quatrocentos milhões para o digital. Já se percebeu
que a simples presença de um computador não é, por si, sinal de que há uma
melhoria no ensino, ou que automaticamente os alunos em casa o sabem utilizar.
Esta operação de marketing, necessita de concretização e motiva várias
perguntas. Por exemplo:
a. Melhoram os servidores, as redes, os serviços
de internet e equipamentos nas escolas? Quantos? Como? Onde? Quando?
b.
Vão ser dados a quantos alunos para estar em
casa ou na escola?
c.
Quando as aulas se iniciarem estarão disponíveis,
dado que há concursos e prazos?
d.
Como se garante a manutenção, a atualização e o
software dos equipamentos?
3-
Mais tempo de aulas. Continua o
irrealismo de pensar que o currículo é todo para dar a todo o custo. Mais
tempo, não resolve a qualidade do trabalho, não mitiga riscos, nem compensa
minimamente um regime misto, para além da sobrecarga que isso representa nos
professores, que têm de desenvolver todo um conjunto de atividades
organizativas e avaliativas nas escolas nas paragens letivas. esta questão suscita também a necessidade dos professores ficarem bem vigilantes quanto ao cumprimento do seu horário de trabalho, dado que o 3.º período foi uma exceção de emergência, onde aconteceram todo o tipo de atropelos, e agora já era suposto haver uma planificação das coisas.
Dez contributos
Dez contributos
Já que, mais uma vez serão as escolas a
resolver as questões, estando já a verificar-se um enorme volume de trabalho
para abrir em setembro, aqui deixo 10 contributos de acordo com a análise
anterior:
1-
As escolas têm de obter orientações concretas
do ME e da DGS sobre se o afastamento social é ou não imperioso, ou se está
a preparar-se uma situação onde a falta de investimento, justificará colocar em
risco milhões de alunos, de professores e de famílias.
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