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domingo, 25 de outubro de 2020

Os problemas nas escolas não vão lá com aplicações de telemóvel

 

Com tantas situações de risco a ocorrer nas escolas, com uma navegação à vista e uma resolução casuística de problemas, com o esforço que as escolas estão a fazer neste momento, não deixa de ser preocupante que o tema central  da semana passada fosse uma app de eficácia duvidosa, obrigatória para professores.

 O Governo acabou por abandonar a ideia de propor a obrigatoriedade do uso da aplicação “stayaway covid” aos funcionários públicos, nomeadamente professores.

Primeiro temos de assinalar o conflito com os direitos dos cidadãos e as suas liberdades e garantias, num estado de direito, que não se quer policial, nem atentatório da privacidade, muito menos nesta relação que nos parece abusiva entre um empregador e funcionários.

Em segundo lugar, a questão é saber, de que serviria esta aplicação para os professores, dado que estão imersos em situações de risco e ninguém parece importar-se. Pior, quando há casos detetados em alunos, as turmas fazem período de prevenção em casa e os professores continuam na escola a dar aulas sem testes ou sequer levantamento de quem são.

Senão vejamos: os professores estão horas a fio dentro de salas com 28 alunos, ombro a ombro, sem qualquer afastamento, num esforço permanente para se fazerem entender e medindo cada passo e cada apoio mais próximo. Alunos esses que, nos intervalos, nos transportes, nos ATL e nas próprias salas onde estão encarcerados ao almoço, contatam entre si sem máscara sem qualquer afastamento. Bolhas que se misturam nas aulas de EMRC, tutorias, apoio ao estudo, entre outras situações. Salas que, em muitas situações, não são fixas. Há todo um conjunto de situações, que obrigam as escolas e os professores a um esforço permanente diário, contrário à própria definição de escola. Não foram tomadas atempadamente as medidas de redução de turmas, currículos, avaliação, ensino misto, entre outras, que poderiam mitigar mais os riscos. Navegamos então à vista, com indicações gerais, aplicadas de formas diversas por esse país fora, como, por exemplo nas reuniões presencias, festas, visitas e outras atividades não letivas. Dado que os professores estão imersos em situações de risco, que não foram acauteladas, não deixa de ser estranha esta obsessão com uma “app” e qual a sua real utilidade neste contexto.

Por último seria bom saber o que iriam as autoridades de saúde fazer com a informação de que um professor esteve perto de uma pessoa infetada. Porque neste início de aulas, a proteção dos professores e das suas famílias, tem sido trágica. Os professores estão a ser completamente ignorados quando há alunos positivos, dado que a turma vai para casa, parcial ou totalmente, mas os professores não são sequer identificados. Numa situação em que professores estiveram em contato direto com pessoas confirmadas, ninguém os coloca de prevenção ou os testa. Um aluno que testou positivo hoje, esteve na semana toda anterior em contato com os professores. Não há confirmação mais segura de um contato direto. Então para que serve a aplicação, se, mesmo confirmando contatos, os professores só serão alvo de atenção quando apresentarem sintomas? Se assim é, de nada serve a "app", e de nada serve absolutamente mais nada, a não ser esperar pelos sintomas.

Para além disso os professores de risco estão agora confrontados com a possibilidade de terem de recorrer a atestados médicos, com as respetivas penalizações salariais, pois não há mecanismos que os protejam.

Podemos legitimamente ter dúvidas sobre se as normas de conter riscos e rastrear a doença, são aplicadas de igual forma em todas as situações.

Para além disso parece haver uma nuvem de informação difusa nos casos de alunos positivos pelo país, onde ninguém sabe verdadeiramente o panorama, porque não se divulgam os dados com clareza. Sempre se ouviu dizer que a transparência na informação e a testagem eram a melhor forma de atuar, o que não se verifica no caso da educação.

No fim de contas há outros temas que mereceriam maior preocupação que a app, como por exemplo, que apoio têm os alunos em casa em termos de acompanhamento familiar, equipamentos, se estão a ter acesso às aulas e às matérias e se existem condições nas escolas para tal. Há alunos em casa por razões de risco para a saúde e há as inúmeras turmas a passar temporadas de, pelo menos, duas semanas em casa. Onde estão os recursos técnicos e humanos prometidos, essenciais para estes alunos, onde estão a preocupação, as orientações e os ajustes à avaliação e ao currículo, ou vamos agir como se nada fosse?

Outra área onde poderia haver melhor prevenção para atenuar riscos e diminuir o esforço dos professores, seria, por exemplo, resolver as dificuldades técnicas que se mantêm, ou criar regras claras sobre as atividades não letivas presencias. Continuam a ser pedidas inúmeras tarefas inúteis, com os horários de trabalho a esticar, com a multiplicação de reuniões na escola ou fora dela, mantendo-se um conjunto de atividades não letivas presenciais. Mantêm os exames, os currículos, a avaliação, as aulas assistidas, a obrigatoriedade de formação contínua, enfim, toda a atividade escolar como se fosse um ano normal, mas há constantemente turmas a ir para casa.

Com tanta coisa para nos preocupar, em vez de se ouvir falar no apoio às escolas, na resolução de problemas concretos que persistem, nas desigualdades ou em prevenir riscos; ergue-se uma nuvem de silencio e mistificam-se as verdadeiras medidas e soluções que ainda seriam possíveis de levar a cabo.

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