Com tantas situações de risco a ocorrer nas escolas, com uma navegação à vista e uma resolução casuística de problemas, com o esforço que as escolas estão a fazer neste momento, não deixa de ser preocupante que o tema central da semana passada fosse uma app de eficácia duvidosa, obrigatória para professores.
Primeiro temos de assinalar o
conflito com os direitos dos cidadãos e as suas liberdades e garantias, num
estado de direito, que não se quer policial, nem atentatório da privacidade,
muito menos nesta relação que nos parece abusiva entre um empregador e
funcionários.
Em segundo lugar, a questão é saber,
de que serviria esta aplicação para os professores, dado que estão imersos em
situações de risco e ninguém parece importar-se. Pior, quando há casos
detetados em alunos, as turmas fazem período de prevenção em casa e os
professores continuam na escola a dar aulas sem testes ou sequer levantamento
de quem são.
Senão vejamos: os professores estão
horas a fio dentro de salas com 28 alunos, ombro a ombro, sem qualquer
afastamento, num esforço permanente para se fazerem entender e medindo cada
passo e cada apoio mais próximo. Alunos esses que, nos intervalos, nos
transportes, nos ATL e nas próprias salas onde estão encarcerados ao almoço,
contatam entre si sem máscara sem qualquer afastamento. Bolhas que se misturam
nas aulas de EMRC, tutorias, apoio ao estudo, entre outras situações. Salas que,
em muitas situações, não são fixas. Há todo um conjunto de situações, que
obrigam as escolas e os professores a um esforço permanente diário, contrário à
própria definição de escola. Não foram tomadas atempadamente as medidas de
redução de turmas, currículos, avaliação, ensino misto, entre outras, que
poderiam mitigar mais os riscos. Navegamos então à vista, com indicações
gerais, aplicadas de formas diversas por esse país fora, como, por exemplo nas
reuniões presencias, festas, visitas e outras atividades não letivas. Dado que
os professores estão imersos em situações de risco, que não foram acauteladas,
não deixa de ser estranha esta obsessão com uma “app” e qual a sua real
utilidade neste contexto.
Por último seria bom saber o que iriam
as autoridades de saúde fazer com a informação de que um professor esteve perto
de uma pessoa infetada. Porque neste início de aulas, a proteção dos
professores e das suas famílias, tem sido trágica. Os professores estão a ser
completamente ignorados quando há alunos positivos, dado que a turma vai para
casa, parcial ou totalmente, mas os professores não são sequer identificados.
Numa situação em que professores estiveram em contato direto com pessoas
confirmadas, ninguém os coloca de prevenção ou os testa. Um aluno que testou
positivo hoje, esteve na semana toda anterior em contato com os professores.
Não há confirmação mais segura de um contato direto. Então para que serve a
aplicação, se, mesmo confirmando contatos, os professores só serão alvo de
atenção quando apresentarem sintomas? Se assim é, de nada serve a "app", e de
nada serve absolutamente mais nada, a não ser esperar pelos sintomas.
Para além disso os professores de risco estão agora confrontados com a possibilidade de terem de recorrer a atestados médicos, com as respetivas penalizações salariais, pois não há mecanismos que os protejam.
Podemos legitimamente ter dúvidas
sobre se as normas de conter riscos e rastrear a doença, são aplicadas de igual
forma em todas as situações.
Para além disso parece haver uma
nuvem de informação difusa nos casos de alunos positivos pelo país, onde
ninguém sabe verdadeiramente o panorama, porque não se divulgam os dados com
clareza. Sempre se ouviu dizer que a transparência na informação e a testagem
eram a melhor forma de atuar, o que não se verifica no caso da educação.
No fim de contas há outros temas que
mereceriam maior preocupação que a app, como por exemplo, que apoio têm os
alunos em casa em termos de acompanhamento familiar, equipamentos, se estão a
ter acesso às aulas e às matérias e se existem condições nas escolas para tal.
Há alunos em casa por razões de risco para a saúde e há as inúmeras turmas a
passar temporadas de, pelo menos, duas semanas em casa. Onde estão os recursos
técnicos e humanos prometidos, essenciais para estes alunos, onde estão a
preocupação, as orientações e os ajustes à avaliação e ao currículo, ou vamos
agir como se nada fosse?
Outra área onde poderia haver melhor
prevenção para atenuar riscos e diminuir o esforço dos professores, seria, por
exemplo, resolver as dificuldades técnicas que se mantêm, ou criar regras
claras sobre as atividades não letivas presencias. Continuam a ser pedidas
inúmeras tarefas inúteis, com os horários de trabalho a esticar, com a
multiplicação de reuniões na escola ou fora dela, mantendo-se um conjunto de
atividades não letivas presenciais. Mantêm os exames, os currículos, a avaliação, as aulas
assistidas, a obrigatoriedade de formação contínua, enfim, toda a atividade
escolar como se fosse um ano normal, mas há constantemente turmas a ir para
casa.
Com tanta coisa para nos preocupar,
em vez de se ouvir falar no apoio às escolas, na resolução de problemas
concretos que persistem, nas desigualdades ou em prevenir riscos; ergue-se uma nuvem
de silencio e mistificam-se as verdadeiras medidas e soluções que ainda seriam
possíveis de levar a cabo.
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