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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A luta pela inclusão social das pessoas com deficiência, é a luta por cada um de nós

 Hoje deveríamos refletir sobre o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, um assunto, que tantas vezes é pensado e repensado, com tantas boas e más intenções, tantas agendas, tanta fé e tantos caminhos, alguns bem sinuosos; que acabamos por nos questionar afinal o que tem sido feito e o que falta fazer.

Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, outro passo civilizacional e político muito importante foi a ratificação por Portugal da Convenção sobre o Direitos da Pessoa com Deficiência em 2009. A própria Constituição Portuguesa define nos seus Artigos 13.º e 26.º, os valores basilares de uma sociedade de igualdade e respeito por todos sem exceção e das liberdades individuais.

Não podemos escamotear o tanto que foi feito na última década, o empenho das políticas e dos serviços públicos para percorrer este caminho, mas podemos questionar afinal, passados tantos anos, porque precisamos ainda falar deste assunto, de lutar por ele, de construir cada dia e combater a exclusão e as desigualdades que se verificam.

Numa análise meramente pessoal considero que o tanto que falta fazer radica em vários fatores, mas à cabeça estão os valores percecionados pela sociedade, que devem ser vertidos nas políticas e práticas. Muitas vezes não o são, porque se evita o caminho, ou se finge que se vai andando, mas na prática não se sai do mesmo sítio.

Tenho algumas dúvidas sobre se a igualdade é verdadeiramente um valor assumido por toda a sociedade. Basta ver quando a luta pela igualdade e pela inclusão abranda, logo a exclusão avança. Porque precisamos de lutar permanentemente por aquilo que é tão óbvio? Porque na realidade muitos não acreditam verdadeiramente nisso. É por isso que os direitos das pessoas excluídas continuam a fazer parte das agendas progressistas e da luta das pessoas com deficiência.

Numa análise dos valores em causa, é importante referir que a exclusão e a inclusão estão ligadas, porque não existe uma sem a outra. Combater a exclusão terá sempre de ser feito por ações, políticas e valores de inclusão.

Num relatório da Comissão Europeia de 2009, foram estudados os fatores que promovem a exclusão, sendo que todos eles são externos ao indivíduo, exceto um: ter deficiência. Os riscos de exclusão aumentam enormemente por fatores de deficiência, dependência a longo termo, baixos rendimentos, desemprego prolongado, baixo nível educacional, emprego precário ou desqualificado, família vulnerável, habitação precária, zonas desfavorecidas, imigração, etnia, racismo e descriminação. Mas ter deficiência funciona como uma desvantagem cumulativa, pois aumentam as chances de somar com um ou mais fatores, numa espiral progressiva de risco e exclusão efetiva.

Daí que os mecanismos de equidade têm de dar especial atenção a este aspeto e não se quedar por remendos mais ou menos assistenciais, ou respostas remediativas a correr atrás do prejuízo.

Antes de mais devemos saber o que queremos. Queremos uma sociedade inclusiva, uma escola inclusiva? Então devemos saber bem, que a Inclusão tem a ver com a qualidade de vida, que se constrói através do envolvimento e participação plena em todas as dimensões socias, desde logo na família, na escola, mas também no trabalho, no lazer e na comunidade em geral.

Estamos perante um caminho permanente, nunca terminado, que tem uma dimensão de presença física, de estar nos contextos naturais, ter acesso em igualdade e com autonomia; mas também participar e estar envolvido socialmente, pertencendo a esses contextos de forma plena e de corpo inteiro, sendo valorizado e aceite. Os contextos naturais são o espaço próprio para esta construção, a eliminação de barreiras é a estratégia preferencial.

Há ainda uma terceira dimensão que tem a ver com o outro, isto é, os grupos socias têm de saber aceitar e percecionar todos os seus elementos como fazendo parte de pleno direito. Aqui se joga o papel de toda uma sociedade que se torna melhor e mais próspera quando trata todos os seus de maneira igual e equitativa.

Por fim temos de acrescentar o fator sem o qual a inclusão não se completa, que é a perceção do próprio sobre a aceitação dos outros e a validade do seu papel. Esta perceção pessoal sobre a forma como está incluído, como se realiza na participação,  se promove individualmente e é aceite e valorizado pelo outro; constitui-se como o fator chave para concluir que a Inclusão não é apenas aquilo que nós achamos que estamos a fazer, mas é essencialmente aquilo que a pessoa com deficiência acha do que estamos a fazer. O caminho é para ser percorrido por e com todos.

Quando me perguntam o que se deve fazer para educar um aluno com deficiência, eu sempre digo que, em primeiro lugar, deve-se olhar para ele como a pessoa que é. Saber ver através e apesar dos problemas que possa apresentar. Deve simplesmente ter acesso a tudo aquilo que todos devem ter e cabe-nos a nós fazer acontecer. A deficiência não a define. Olhar todos como pessoas e conseguir colocarmo-nos no seu lugar, é o ponto de partida para tudo o resto.

Mas esta luta pela inclusão não pode ser para este ou para aquele, nem tão pouco pode estar dissociada do combate por transformações profundas no sentido de uma sociedade mais justa, com igualdade de acesso e de oportunidades, com liberdade e democracia, onde cada pessoa conta, onde ninguém pode ser excluído, seja pelo que for.

É uma luta política sim. Uma luta por direitos humanos, que não precisa de validação ou sequer se referenda. É um combate por políticas sociais, políticas educativas e políticas económicas. Não estamos numa zona supostamente acética e caridosa. Trata-se de uma conquista civilizacional de resgatar o melhor que o ser humano pode ser. Não se compadece com visões nostálgicas de vidas passadas, ou a criação de espaços próprios para gente específica, uma visão que tem perdido muita vergonha recentemente e começa a despontar aqui e ali, como para nos lembrar que apesar do muito feito, tudo ainda está por fazer.

A Inclusão é a resposta à segregação, ao racismo, à violência, ao preconceito e às desigualdades.

É saber estar no lugar do outro, porque todos somos um de nós.

 

Jorge Humberto Nogueira

03/12/2020


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