Hoje deveríamos refletir sobre o Dia
Internacional da Pessoa com Deficiência, um assunto, que tantas vezes é pensado
e repensado, com tantas boas e más intenções, tantas agendas, tanta fé e tantos
caminhos, alguns bem sinuosos; que acabamos por nos questionar afinal o que tem
sido feito e o que falta fazer.
Desde a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, outro passo civilizacional e político muito
importante foi a ratificação por Portugal da Convenção sobre o Direitos da Pessoa
com Deficiência em 2009. A própria Constituição Portuguesa define nos seus
Artigos 13.º e 26.º, os valores basilares de uma sociedade de igualdade e
respeito por todos sem exceção e das liberdades individuais.
Não podemos escamotear
o tanto que foi feito na última década, o empenho das políticas e dos serviços
públicos para percorrer este caminho, mas podemos questionar afinal, passados
tantos anos, porque precisamos ainda falar deste assunto, de lutar por ele, de
construir cada dia e combater a exclusão e as desigualdades que se verificam.
Numa análise meramente
pessoal considero que o tanto que falta fazer radica em vários fatores, mas à
cabeça estão os valores percecionados pela sociedade, que devem ser vertidos nas
políticas e práticas. Muitas vezes não o são, porque se evita o caminho, ou se
finge que se vai andando, mas na prática não se sai do mesmo sítio.
Tenho algumas dúvidas
sobre se a igualdade é verdadeiramente um valor assumido por toda a sociedade.
Basta ver quando a luta pela igualdade e pela inclusão abranda, logo a exclusão
avança. Porque precisamos de lutar permanentemente por aquilo que é tão óbvio?
Porque na realidade muitos não acreditam verdadeiramente nisso. É por isso que
os direitos das pessoas excluídas continuam a fazer parte das agendas
progressistas e da luta das pessoas com deficiência.
Numa análise dos
valores em causa, é importante referir que a exclusão e a inclusão estão
ligadas, porque não existe uma sem a outra. Combater a exclusão terá sempre de
ser feito por ações, políticas e valores de inclusão.
Num relatório da
Comissão Europeia de 2009, foram estudados os fatores que promovem a exclusão,
sendo que todos eles são externos ao indivíduo, exceto um: ter deficiência. Os
riscos de exclusão aumentam enormemente por fatores de deficiência, dependência
a longo termo, baixos rendimentos, desemprego prolongado, baixo nível
educacional, emprego precário ou desqualificado, família vulnerável, habitação
precária, zonas desfavorecidas, imigração, etnia, racismo e descriminação. Mas
ter deficiência funciona como uma desvantagem cumulativa, pois aumentam as
chances de somar com um ou mais fatores, numa espiral progressiva de risco e
exclusão efetiva.
Daí que os mecanismos
de equidade têm de dar especial atenção a este aspeto e não se quedar por
remendos mais ou menos assistenciais, ou respostas remediativas a correr atrás
do prejuízo.
Antes de mais devemos
saber o que queremos. Queremos uma sociedade inclusiva, uma escola inclusiva?
Então devemos saber bem, que a Inclusão tem a ver com a qualidade de vida, que
se constrói através do envolvimento e participação plena em todas as dimensões
socias, desde logo na família, na escola, mas também no trabalho, no lazer e na
comunidade em geral.
Estamos perante um
caminho permanente, nunca terminado, que tem uma dimensão de presença física,
de estar nos contextos naturais, ter acesso em igualdade e com autonomia; mas
também participar e estar envolvido socialmente, pertencendo a esses contextos
de forma plena e de corpo inteiro, sendo valorizado e aceite. Os contextos
naturais são o espaço próprio para esta construção, a eliminação de barreiras é
a estratégia preferencial.
Há ainda uma terceira
dimensão que tem a ver com o outro, isto é, os grupos socias têm de saber
aceitar e percecionar todos os seus elementos como fazendo parte de pleno
direito. Aqui se joga o papel de toda uma sociedade que se torna melhor e mais
próspera quando trata todos os seus de maneira igual e equitativa.
Por fim temos de
acrescentar o fator sem o qual a inclusão não se completa, que é a perceção do
próprio sobre a aceitação dos outros e a validade do seu papel. Esta perceção
pessoal sobre a forma como está incluído, como se realiza na participação, se promove individualmente e é aceite e
valorizado pelo outro; constitui-se como o fator chave para concluir que a
Inclusão não é apenas aquilo que nós achamos que estamos a fazer, mas é
essencialmente aquilo que a pessoa com deficiência acha do que estamos a fazer.
O caminho é para ser percorrido por e com todos.
Quando me perguntam o
que se deve fazer para educar um aluno com deficiência, eu sempre digo que, em
primeiro lugar, deve-se olhar para ele como a pessoa que é. Saber ver através e
apesar dos problemas que possa apresentar. Deve simplesmente ter acesso a tudo
aquilo que todos devem ter e cabe-nos a nós fazer acontecer. A deficiência não
a define. Olhar todos como pessoas e conseguir colocarmo-nos no seu lugar, é o
ponto de partida para tudo o resto.
Mas esta luta pela
inclusão não pode ser para este ou para aquele, nem tão pouco pode estar
dissociada do combate por transformações profundas no sentido de uma sociedade mais justa, com igualdade de acesso e de
oportunidades, com liberdade e democracia, onde cada pessoa conta, onde ninguém
pode ser excluído, seja pelo que for.
É uma luta política
sim. Uma luta por direitos humanos, que não precisa de validação ou sequer se
referenda. É um combate por políticas sociais, políticas educativas e políticas
económicas. Não estamos numa zona supostamente acética e caridosa. Trata-se de
uma conquista civilizacional de resgatar o melhor que o ser humano pode ser.
Não se compadece com visões nostálgicas de vidas passadas, ou a criação de espaços
próprios para gente específica, uma visão que tem perdido muita vergonha
recentemente e começa a despontar aqui e ali, como para nos lembrar que apesar
do muito feito, tudo ainda está por fazer.
A Inclusão é a
resposta à segregação, ao racismo, à violência, ao preconceito e às
desigualdades.
É saber estar no lugar
do outro, porque todos somos um de nós.
Jorge Humberto
Nogueira
03/12/2020
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