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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Escolas abertas mas com condições.

 Já começa a haver outra vez enorme ruído em torno da situação das escolas fecharem ou abrirem. Espero que toda esta preocupação tenha a ver com as crianças e jovens estarem em casa e precisarem de escola e de contatos sociais que esta proporciona e que não estejamos a falar de justificações económicas, familiares ou laborais.

Também era bom ouvir os professores, já que agora há tantos especialistas sobre educação, seria interessante também ouvir professores. Sabem… aqueles que trabalham nas escolas e conhecem profundamente o sistema e a comunidade educativa?

Não restam dúvidas da importância da escola presencial e que o apoio de emergência à distância é um esforço enorme para toda a gente, sem que os resultados sejam aquilo que todos desejaríamos e que só se podem encontrar na escola.

Mas é necessário ter bom senso e discutir a reabertura com calma, não perdendo de vista a saúde pública e o controle da pandemia. É bom aprender algo com o que se passou em janeiro e com a quantidade de pessoas que morreu nesse mês, só em Torres Vedras foram 70, na maioria idosos. Desde que as escolas fecharam esses números são agora residuais.

Já há gente de memória curta a voltar a falar com entusiasmo em abrir as escolas porque nas escolas não há muitos casos e os testes feitos dão números baixos. Eu fico perplexo como se pode voltar a falar nisso depois da evidência dos números após encerramento. Como é que ainda se pode falar nesse argumento, quando se sabe que não houve qualquer acompanhamento de cadeias ou testagem.

Nas escolas há Covid, transmite-se covid e as escolas funcionam como plataformas de propagação do vírus e isso não é preciso ser especialista. Quantos e quantos alunos e professores deram positivo. Todos nós conhecemos casos nas nossas escolas. Apanharam fora da escola ou dentro, tanto faz, o bicho circula entre alunos sem máscara ao almoço, nos intervalos, no transporte, na espera pelo autocarro, no ATL e vai direto para as famílias.

Mas não é tudo. É em toda a envolvente da escola que o problema se torna maior e é aí que também urge pensar em conter a propagação. Com os alunos na escola os pais voltam ao trabalho, saem, são despoletados os meios de apoio familiar com parentes, avós, ATL e em pouco tempo temos novamente mais de um milhão de pessoas a circular. Devemos dar tempo para garantir uma situação comunitária estável e não precipitar tudo sob pena de voltarmos a fechar escolas no terceiro período. Isso sim, seria desastroso. Desta vez, quando se abrir não se pode voltar a fechar e é esse o pensamento que deve estar presente. Isso sim seria traumatizante para todos.

É muito importante equacionar um conjunto de medidas para garantir segurança e condições na abertura das escolas. Desde logo vacinar os professores, funcionários e técnicos, testar e acompanhar efetivamente qualquer cadeia de contágio, aumentar o distanciamento, tornar a máscara obrigatória, alternar grupos e horários, entre outras.

Socialmente garantir que os alunos saem da escola e vão logo para casa e que o confinamento continua, ou seja, que não se aproveite as escolas como forma de relaxar os comportamentos, mantendo em casa quem deve estar, bem como dar condições aos pais dos mais novos para poderem estar com os filhos quando eles saem da escola, de forma a evitar todos os riscos dos prolongamentos escolares e apoios à família.

Em relação à recuperação das aprendizagens, tenho a certeza que as escolas saberão muito bem acomodar e mitigar os problemas que emergem de toda esta situação. Quanto menos orientações generalistas e "chapa 3" melhor. O ME deve sim, criar condições para os professores fazerem uma recuperação e solidificação do que foi ficando para trás. Essas condições passam por libertar as escolas da carga burocrática inútil que é exigida e centrar os recursos no ensino direto e apoio aos alunos, bem como acabar com a aferição e as provas finais de 9º ano e ainda, agilizar os currículos criando espaços temporais para a recuperação, neste e no ano seguinte. Tudo isto permitiria uma respiração, uma qualidade na recuperação e um foco naquilo que é essencial. O que a escola precisa é apoio e espaço para trabalhar com os alunos e não de orientações teóricas desconexas da realidade.

Sabemos dos custos que um confinamento deste género tem no desenvolvimento, aprendizagem e saúde mental de crianças e jovens, mas convém também não entrar em afirmações completamente descabidas, como dizer que o preço dos traumas será elevado e perdurará por 10 ou 20 anos. Não é verdade. É difícil? Sim. Causa problemas de desigualdade e de perda de momentos chave de desenvolvimento? Sim. Mas nunca nessa dimensão catastrofista irreal que nos vendem. As crianças estão em casa, com as suas famílias.

Traumas duradouros advêm da pobreza, da falta de condições de vida, de uma educação desadequada e traumática, da falta de afetos e de relação, do abandono, da violência, da falta de oportunidades, da exclusão, da institucionalização, da falta de acesso ao que todas as crianças têm direito.

Trauma duradouro é saber que o avô morreu de covid sem se poder despedir dos netos. Trauma duradouro é crescer sem sonhos, com baixas expetativas, numa sociedade que se alimenta da pobreza como forma de manter uma organização social e económica baseada na exploração das famílias e na desigualdade entre quem tem e quem não tem.

Este era, sem dúvida, um abaixo assinado que eu assinaria e gostava que tantos assinassem, pois aí radicam os traumas duradouros.

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