Já começa a haver outra vez enorme ruído em torno da situação das escolas fecharem ou abrirem. Espero que toda esta preocupação tenha a ver com as crianças e jovens estarem em casa e precisarem de escola e de contatos sociais que esta proporciona e que não estejamos a falar de justificações económicas, familiares ou laborais.
Também era bom ouvir os professores, já que agora há tantos
especialistas sobre educação, seria interessante também ouvir professores. Sabem…
aqueles que trabalham nas escolas e conhecem profundamente o sistema e a
comunidade educativa?
Não restam dúvidas da importância da escola presencial e que o
apoio de emergência à distância é um esforço enorme para toda a gente, sem que
os resultados sejam aquilo que todos desejaríamos e que só se podem encontrar
na escola.
Mas é necessário ter bom senso e discutir a reabertura com calma,
não perdendo de vista a saúde pública e o controle da pandemia. É bom aprender
algo com o que se passou em janeiro e com a quantidade de pessoas que morreu
nesse mês, só em Torres Vedras foram 70, na maioria idosos. Desde que as
escolas fecharam esses números são agora residuais.
Já há gente de memória curta a voltar a falar com entusiasmo em
abrir as escolas porque nas escolas não há muitos casos e os testes feitos dão
números baixos. Eu fico perplexo como se pode voltar a falar nisso depois da
evidência dos números após encerramento. Como é que ainda se pode falar nesse
argumento, quando se sabe que não houve qualquer acompanhamento de cadeias ou
testagem.
Nas escolas há Covid, transmite-se covid e as escolas funcionam
como plataformas de propagação do vírus e isso não é preciso ser especialista.
Quantos e quantos alunos e professores deram positivo. Todos nós conhecemos
casos nas nossas escolas. Apanharam fora da escola ou dentro, tanto faz, o
bicho circula entre alunos sem máscara ao almoço, nos intervalos, no
transporte, na espera pelo autocarro, no ATL e vai direto para as famílias.
Mas não é tudo. É em toda a envolvente da escola que o problema se
torna maior e é aí que também urge pensar em conter a propagação. Com os alunos
na escola os pais voltam ao trabalho, saem, são despoletados os meios de apoio
familiar com parentes, avós, ATL e em pouco tempo temos novamente mais de um
milhão de pessoas a circular. Devemos dar tempo para garantir uma situação
comunitária estável e não precipitar tudo sob pena de voltarmos a fechar
escolas no terceiro período. Isso sim, seria desastroso. Desta vez, quando se
abrir não se pode voltar a fechar e é esse o pensamento que deve estar
presente. Isso sim seria traumatizante para todos.
É muito importante equacionar um conjunto de medidas para garantir
segurança e condições na abertura das escolas. Desde logo vacinar os
professores, funcionários e técnicos, testar e acompanhar efetivamente qualquer
cadeia de contágio, aumentar o distanciamento, tornar a máscara obrigatória,
alternar grupos e horários, entre outras.
Socialmente garantir que os alunos saem da escola e vão logo para
casa e que o confinamento continua, ou seja, que não se aproveite as escolas
como forma de relaxar os comportamentos, mantendo em casa quem deve estar, bem
como dar condições aos pais dos mais novos para poderem estar com os filhos
quando eles saem da escola, de forma a evitar todos os riscos dos
prolongamentos escolares e apoios à família.
Em relação à recuperação das aprendizagens, tenho a certeza que as escolas saberão muito bem acomodar
e mitigar os problemas que emergem de toda esta situação. Quanto menos
orientações generalistas e "chapa 3" melhor. O ME deve sim, criar
condições para os professores fazerem uma recuperação e solidificação do que
foi ficando para trás. Essas condições passam por libertar as escolas da carga
burocrática inútil que é exigida e centrar os recursos no ensino direto e apoio
aos alunos, bem como acabar com a aferição e as provas finais de 9º ano e
ainda, agilizar os currículos criando espaços temporais para a recuperação,
neste e no ano seguinte. Tudo isto permitiria uma respiração, uma qualidade na
recuperação e um foco naquilo que é essencial. O que a escola precisa é apoio e
espaço para trabalhar com os alunos e não de orientações teóricas desconexas da
realidade.
Sabemos dos custos que um confinamento deste género tem no
desenvolvimento, aprendizagem e saúde mental de crianças e jovens, mas convém
também não entrar em afirmações completamente descabidas, como dizer que o
preço dos traumas será elevado e perdurará por 10 ou 20 anos. Não é verdade. É difícil?
Sim. Causa problemas de desigualdade e de perda de momentos chave de desenvolvimento?
Sim. Mas nunca nessa dimensão catastrofista irreal que nos vendem. As crianças estão em casa, com as suas famílias.
Traumas duradouros advêm da pobreza, da falta de condições de
vida, de uma educação desadequada e traumática, da falta de afetos e de
relação, do abandono, da violência, da falta de oportunidades, da exclusão, da institucionalização, da
falta de acesso ao que todas as crianças têm direito.
Trauma duradouro é saber que o avô morreu de covid sem se poder
despedir dos netos. Trauma duradouro é crescer sem sonhos, com baixas
expetativas, numa sociedade que se alimenta da pobreza como forma de manter uma
organização social e económica baseada na exploração das famílias e na
desigualdade entre quem tem e quem não tem.
Este era, sem dúvida, um abaixo assinado que eu assinaria e
gostava que tantos assinassem, pois aí radicam os traumas duradouros.
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