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quarta-feira, 19 de junho de 2024

A discriminação nas escolas previne-se com políticas de integração e recursos para a equidade

A Ministra da Administração Interna do atual Governo, em declarações sobre uma agressão a um aluno estrangeiro, apresenta como solução o aumento de policiamento. Para as escolas defende-se mais polícia, enquanto que em diversos setores da sociedade se toleram discursos, manifestações e comportamentos racistas e xenófobos, cada vez mais graves e frequentes.

Há hoje a clara perceção que estes fenómenos estão a crescer também nas escolas, da mesma forma que na sociedade, mas a falta de políticas nacionais e monitorização, não permite perceber o que está a ser feito pelo direito à igualdade.

Sabemos que as situações de violência nas escolas, têm origem nos exemplos e no ambiente social e são reflexo disso. Esperamos muito mais do Ministério de Educação Ciência e Inovação, MECI, na abordagem a estes casos, bem como na violência e criminalidade em ambiente escolar, que aumentou 9% em 2023, de acordo com a Escola Segura da PSP.

Há alguma literatura criada, nomeadamente um guia específico para escolas e há intenções publicitadas como no Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, criado em 2021 pelo Governo PS, mas não se avalia nem se acompanha esta situação, não se sabendo se o assunto está ou não a ser abordado e se há ações concretas, ou se tudo não passa de sugestões de ação, que passam ao lado da vida diária de muitas escolas portuguesas.

De acordo com o Relatório Eurydice da UE de 2023 sobre “Promover a diversidade e a inclusão nas Escolas da Europa”, não há dados de monitorização disponíveis, referentes a Portugal, sobre os motivos que dão origem a casos de discriminação nas escolas, ao contrário do que acontece noutros países da Europa. Já em 2020 o Conselho Nacional de Educação CNE, num parecer sobre “Cidadania e Educação Antirracista”, recomenda a monitorização e a recolha de dados, como forma de desenvolver políticas públicas informadas.

Sem uma política nacional, fica ao critério das escolas e de cada professor o que fazer e que projetos desenvolver, ou que matérias abordar, por exemplo na disciplina de Cidadania, cuja avaliação da sua aplicação é pertinente, mas tarda.

O Sistema Educativo tem de se mobilizar de forma integrada

Estas situações devem ser abordadas no sistema educativo com foco na prevenção, dotando as escolas de programas, projetos, parcerias e recursos para a equidade, o acolhimento, a recuperação e o acompanhamento. São necessárias políticas nacionais, que alicercem projetos de integração e interculturalidade nas escolas, com informação e partilha, promovendo ambientes onde todos sejam ouvidos, se sintam valorizados e representados como parte de um grupo social que os acolhe como iguais.

Não está em causa a necessária articulação com as forças de segurança e de termos escolas em espaços seguros, agindo sobre qualquer forma de violência, mas necessitamos de ações abrangentes de prevenção e combate à discriminação e às desigualdades, nomeadamente implementando ferramentas de apoio às escolas para intervir de forma eficaz em situações de desvantagens e de dificuldades, como projetos de acolhimento e inclusão, onde existam equipas multidisciplinares, crédito horário de professores com formação, saúde escolar, assistentes socias e mediadores interculturais, entre outros.

Os novos alunos estrangeiros devem ser acompanhados e devidamente acolhidos, tendo onde se dirigir para resolver problemas, como a burocracia administrativa, a língua, a cultura, a documentação ou a ligação à família. Cada aluno necessita de uma resposta adequada que promova a integração, através de mecanismos holísticos de equidade e não apenas da aprendizagem da língua.

O ensino do Português Língua Não Materna, PLNM, é fundamental, mas inserido nas trocas culturais, que valorizem e integrem alunos estrangeiros e não pode depender do permanente “desenrasque” das escolas, ou de propostas segregadoras, que mitiguem o desejável ensino misto inclusivo, com o respetivo apoio.

O problema crónico de falta de Assistentes Operacionais resulta em espaços e recreios mal vigiados, falta de adultos perto dos alunos fora das aulas para apoio ou dissuasão de situações de violência. Por outro lado, a falta de professores para tutorias, parcerias, apoio e acompanhamento de alunos, tem reflexos visíveis nas dificuldades de aprendizagem e integração. A formação específica e a diversidade dos professores e restantes profissionais são também importantes, nomeadamente o recrutamento de docentes de origem diversa.

Devem existir também processos de monitorização com recolha de dados que permitam desenvolver respostas de prevenção e ação. Dados para se saber as razões e a dimensão do problema e das populações em risco por deficiência, orientação sexual, etnia ou diversidade cultural e religiosa.

Investir na capacidade transformadora da escola

O bem-estar emocional e o acesso à saúde em geral, nomeadamente saúde sexual, mental e outras especialidades, deve ser facilitado em articulação com o Ministério da Saúde, pois, como sabemos, o SNS tem desigualdades de acesso com os impactos conhecidos nas aprendizagens.

Por outro lado, os casos de pobreza e de risco sociofamiliar, muitas vezes ligados ao insucesso e ao comportamento dos alunos, têm de ter mecanismos de compensação económica na escola, mas também uma abordagem estrutural na comunidade, através do combate à pobreza e o acolhimento eficaz dos migrantes, porque uma escola não consegue ser fator de transformação se os alunos não tiverem uma situação social de igualdade em termos económicos familiares e sociais.

Uma escola sem equidade tem um preço elevado no desempenho escolar e nas oportunidades, daí, até aos problemas de comportamento e de exclusão geradores de violência, é um pulinho. Passa a escola a ser um mero reflexo de um contexto social de discriminação e intolerância, contribuindo para a violência e colocando em causa a coesão nacional.

A par da necessidade de uma vivência democrática nas escolas e do incremento de interações positivas em cada turma, há também uma dimensão curricular de adaptação do ensino à diversidade, que não é de menor importância.

Disciplinas das Ciências Sociais, como a História e a Cidadania, a própria Educação Sexual, entre outras, deveriam ter um papel mais preponderante, não só apresentando informação pertinente e conteúdos diversos e não parciais, como também pela discussão das consequências do nosso passado até aos dias de hoje.

A questão essencial é haver recursos específicos e monitorização destes processos de mudança, que sempre foram insuficientes ao longo do tempo, nomeadamente nos casos de inclusão, onde faltam recursos para os alunos com Necessidades Específicas; nos apoios e tutorias que são mitigados por falta de horas; nos sistemas informáticos com falta de apoio técnico; nas relações entre a escola e as famílias sem técnicos sociais; na saúde mental para a qual não há clínicos; na famosa recuperação de aprendizagens e ensino de língua não materna, que se fazem à custa do esforço e da criatividade das escolas e agora, mais um desafio com a integração da multiculturalidade, sempre com respostas insuficientes.

Com o crescimento dos discursos de ódio que potenciam o preconceito e os estereótipos na nossa sociedade, aumenta a necessidade de promover uma escola que combata a discriminação e as desigualdades de forma transversal, nomeadamente o racismo e a xenofobia.

Não podemos andar de projeto em projeto, de desafio em desafio a correr atrás do prejuízo.

Em vez de somarmos soluções, aumentamos carências e problemas, sempre a contar com o “atamancar” das escolas. Pelos vistos, vamos continuar sem um combate eficaz a estes problemas, a julgar pelos sinais do Programa de Educação do Governo e pela visão policial destas questões.

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Artigo originalmente publicado em Esquerda.Net em 2 de junho de 2024

Foto de Vlada Karpovich: https://www.pexels.com/pt-br/foto/escrito-a-mao-placa-aviso-alerta-4668358/Foto de Vlada Karpovich: https://www.pexels.com/pt-br/foto/escrito-a-mao-placa-aviso-alerta-4668358/

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