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terça-feira, 20 de agosto de 2024

Programa para mais professores remenda o presente e ignora o futuro da profissão


Falta de professores resulta do desinvestimento estrutural na escola pública.

O Programa agora anunciado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, (MECI) para combater a falta de professores, intitulado “+Aulas +Sucesso”, não apresenta mecanismos para tornar a docência uma carreira atrativa ou melhorar as condições de trabalho a médio e longo prazo, deixando sérias dúvidas sobre a sua eficácia estrutural, dada a dimensão do problema.

Esta resposta, propõe medidas imediatistas pontuais, sem investir a fundo na Escola Pública no seu todo, nem na profissão em particular, deixando por resolver as questões da precariedade, dos custos de deslocação, dos bloqueios ao acesso a escalões mais altos, das injustiças e ineficácia da avaliação, das más condições de trabalho, dos abusos laborais e da aposentação tardia numa profissão de desgaste rápido.

Plano do MECI propõe remendos baratos e esforço dos professores

As propostas anunciadas pelo MECI para aumentar profissionais no sistema exigem ainda mais esforço aos professores e são pouco robustas, destinadas a apagar fogos no imediato.

Não é à toa que o Programa se chama + Aulas, pois as medidas de gestão têm a preocupação cosmética de não deixar os jovens nos pátios das escolas por períodos longos para não dar má imagem, mas criando problemas à gestão das escolas e à organização dos horários.

No reforço de recursos, aposta em investigadores, mestres e doutorados sem formação profissional, que supostamente a farão já nas escolas, o que segue a sequência anterior de profissionais não habilitados, precisamente aqueles que não quiseram seguir a via ensino.


O Plano recorre ainda a medidas que aumentam o esforço dos professores e educadores, reforçando o limite de horas extraordinárias e pretendendo que muitos adiem a reforma e alguns aposentados regressem.

Há aqui uma ironia do destino, já que foi precisamente a estes mais de 40 mil docentes reformados ou em fim de carreira, que o MECI negou reaver total ou parcialmente o tempo de serviço através de mecanismos de compensação no cálculo da aposentação, recusados em negociação. Muitos deles estão prestes a reformar-se esgotados e injustiçados, com remunerações muito abaixo das que teriam se lhes fosse dado o tempo congelado.

De acordo com as contas feitas a tudo isto, a FENPROF avança com o número possível de 3400 docentes que podem resultar deste Plano, se correr bem e houver voluntários. São menos que os reformados deste ano e muito aquém dos milhares que têm saído.

Face ao diagnóstico do problema, torna-se óbvio que este Plano apenas foca o imediato, procurando minimizar o número de alunos sem aulas, mas gastando o mínimo possível e ignorando toda a dimensão estrutural no médio e longo prazo.

Há muito onde investir na Escola Pública, irei focar-me nas três principais ideias para uma carreira mais atrativa, pois aí reside grande parte da solução de futuro para reter e atrair profissionais. Há 3 áreas, que continuarão a afastar profissionais até ao momento em que já não haverá remendos que valham.

1.     Início de carreira com apoios e justiça.  Os jovens professores saíram aos milhares porque os sucessivos Governos apostaram na precariedade, permitindo que os contratados estivessem em média 15 anos sem entrar na carreira e sem apoios à fixação ou à deslocação. Por isso o início da carreira tem de garantir uma vinculação rápida e apoios a quem se desloca e merece viver com dignidade.

2.     Melhores salários e acesso a toda a carreira. A perda de poder de compra está devidamente comprovada, sendo prioritária uma melhoria salarial. Por outro lado, não é possível atingir os escalões mais elevados, num total de 10, pelos excesso de anos de contratação e pelos travões nas vagas ao 5º e 7º, articulados com uma Avaliação de Desempenho Docente, ADD que impôs quotas de 25% nestes patamares, com reflexos muito negativos no salário e na aposentação. Estas vagas têm de acabar e a ADD tem de ser justa, igual em todo o país e ao serviço da melhoria dos profissionais e da qualidade do ensino.

3.     Horários justos e condições de trabalho. A exaustão é uma evidência, dado tratar-se de uma atividade de desgaste rápido, embora não reconhecida como tal. O aumento da idade de reforma, a par da imensa quantidade de burocracia inútil, leva à deterioração e ao desânimo, que é hoje a realidade das escolas. É urgente rever a aposentação para rejuvenescer a profissão e melhorar as condições de trabalho, respeitando os horários. Todas as tarefas têm de ser contabilizadas e não podem ser dadas a quem não tem mais tempo. Os abusos acabam por desgastar e prejudicar muito o tempo de preparação e avaliação, recaindo sobre a vida pessoal dos professores e educadores.

Abandono da profissão é fruto de má gestão de recursos

A falta de professores e educadores em Portugal é um problema estrutural previsível há mais de uma década, sem que tenha havido preocupação em resolvê-lo, pelo contrário, foram levadas a cabo diversas políticas economicistas que só agravaram a situação e contribuíram para minar o prestígio e a confiança em relação à classe.

As dificuldades e deterioração da carreira, levaram à diminuição de 30 mil profissionais, desde 2011, especialmente os mais jovens, eternamente precários e deslocados, a quem foi dito que estavam a mais e podiam emigrar.

Acresce o aumento populacional fruto da imigração, onde se regista já um aumento de 15 mil alunos no básico e secundário, contrariando as descidas nos anos anteriores. Em 2022 ultrapassamos 1 milhão e meio de alunos e a reversão do saldo de natalidade sugere que o aumento de alunos se irá manter.

Quando a idade da reforma dos professores aumentou em média 10 anos, foi adiado um problema, que acabou agora por aparecer. Só nos últimos três anos aposentaram-se mais de 10 mil profissionais: 2400 em 2021/2022; 3400 em 2022/2023 e em 2023/2024 serão cerca de 5 mil.

Números que vão aumentando a cada ano e até 2030 serão precisos 34mil e quinhentos professores. Em 10 anos cerca de 70% dos atuais professores já se reformaram enquanto que os novos professores rondam os mil por ano, muito aquém das necessidades.

Num total de 150 mil e 600 profissionais desde o pré-escolar ao secundário, as proporções do problema são incontornáveis, pois não existe reposição pela fraca adesão dos jovens à profissão docente, entre outras razões, pelo facto de serem eles quem melhor testemunha a vida dos seus próprios professores.

Face ao panorama verificado, não é de estranhar que milhares de alunos comecem a ficar sem aulas e que só agora alguém tenha finalmente acordado. O problema é que travar este comboio em marcha acelerada, não se faz com remendos.

Milhares de alunos sem aulas fizeram finalmente soar as campainhas

De acordo com os dados do próprio MECI, o presente ano letivo começou com quase 224 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina, ou seja, 18680 turmas. Em maio eram ainda cerca de 22 mil de 1126 turmas.

Um dos remendos encontrados foi a contratação de professores sem formação, que ascenderam aos 3900, bem como o recurso a horas extraordinárias, que vieram mitigando a situação e mascarando o problema, chegando ao final do ano com este número de 939 alunos de 47 turmas.

As regiões de Vale do Tejo, Alentejo e Algarve são as mais afetadas, pela existência de mais formação a Norte e pelo custo de vida e de habitação nestas zonas.

O grupo disciplinar de informática é onde faltam mais docentes, no entanto Português, Matemática e Geografia, estão logo a seguir, com a Educação Pré-escolar e Físico-química em 5º e 6º respetivamente. As disciplinas consideradas críticas são já 15, integrando Biologia, História, Inglês e Educação Especial.

Não há professores porque se deixou degradar a carreira e as condições de trabalho. Quando os docentes lutaram nas ruas alertando para a necessidade de melhoria da profissão como forma de garantir o futuro da Escola Pública, era precisamente disto que falavam.  

Com este panorama não adianta o Governo remendar ou mascarar os problemas que só tendem a aumentar, para depois vir dizer que nada funciona e que a solução é enterrar mais dinheiro público em alternativas privadas.

Sem um investimento sério na Escola Pública, através de medidas estruturais que a tornem atrativa, forte e qualificada, teremos mais desigualdades e assimetrias, que criarão escolas a duas velocidades, com um custo brutal para os mais desfavorecidos e para o futuro do país.

Jorge Humberto Nogueira

Professor. Mestre em Educação Especial e Inclusão.


Artigo originalmente publicado em ESQUERDA NET, em:

https://www.esquerda.net/opiniao/programa-para-mais-professores-remenda-o-presente-e-ignora-o-futuro-da-profissao/91487

Foto de fauxels:

https://www.pexels.com/pt-br/foto/homem-de-blazer-bege-segurando-computador-tablet-3184328/





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