Estamos perto de
começar todo um período escolar com as escolas fechadas a preparar os seus
planos de apoio a distância, numa corrente de aprendizagem baseada na vontade e
na busca de soluções, sem uma formação ou preparação mais técnica e atempada.
Do mesmo modo, as ferramentas digitais que começam a ser testadas e usadas,
dependem igualmente do voluntarismo e capacidade de adaptação dos professores, mantendo-se
grandes desigualdades no acesso, até mesmo entre professores. São tempos
estranhos, de ajustamento rápido e sem muito que pensar, senão o tempo
suficiente para que na terça feira haja ensino online por todo o país. Se nos
dissessem há um mês atrás, que iriamos passar a dar aulas a distância, seria
motivo de chacota, se nos dissessem há um mês atrás, que iriamos estar todo o
último período escolar com escola a distância seria o pânico, o desespero: -
Não estamos preparados, as escolas não têm computador; o mail não funciona, o
servidor da escola aqueceu e não aguenta.. enfim, teríamos de desenvolver toda
uma teoria para desculpabilizar a falta de preparação e tentar adiar a mudança
voraz e inevitável, para um ensino completamente diferente do habitual.
Mas o certo é que em dias, os professores montaram um sistema de apoio baseado nos parcos recursos, nos seus próprios recursos, na sua internet e, essencialmente, na extraordinária capacidade de se adaptarem quando são expostos a um desafio inadiável. Se tivesse havido tempo para pensar ou preparar, ainda hoje estávamos em equipas de trabalho a discutir vírgulas e considerandos, sem esquecer as carências. É óbvio que esta situação não se pode repetir e que devemos repensar o futuro da escola e dos seus recursos. Se cada aluno tivesse um computador/tablet na escola e as aulas já tivessem uma componente tecnológica, hoje seria tudo simples pois existiriam as plataformas e o software, haveria a experiência e o aluno poderia levar para casa o tablet escolar, criando assim uma situação de maior igualdade. A escola tem esta obrigação de mitigar as desigualdades e criar as oportunidades para todos. No futuro, não haverá mais desculpas para que se mantenham as gritantes situações de desigualdade, postas a nu com este fecho das escolas.
Os alunos com mais
poder económico têm computadores, têm software, têm acesso a plataformas de
aprendizagem, bases de dados, informação e até explicações online que estão
agora muito na moda. Depois há uma franja grande da população, que os
levantamentos de modo geral apontam para uns 20%, de alunos que não têm nada
disto. Se a isto somarmos o nível socioeducativo das famílias, que apoiam, que
criam expetativas, que apostam na educação, promovem a cultura, a leitura, o
debate de ideias, o diálogo e a participação ativa na sociedade e na educação…
temos um caldo que não só coloca a nu as desigualdades, como as acentua ainda
mais.
O fecho das escolas piorou este efeito. E não é o ensino a distância que
o vai mitigar, pois ele só o vai acentuar. É difícil conseguirmos pensar como
esta situação não presencial pode mitigar o aumento de desigualdades. Por isso
é tempo de esforço e empenho das escolas e entidades locais, para que isto não
se torne em mais uma componente extremamente negativa nas vidas de tantos
alunos. Toda esta transformação nas escolas, tem de servir essencialmente para
preparar o futuro. A escola serve para ser uma plataforma social de igualdade
com estratégias de equidade, por isso há que projetar o futuro com meios tecnológicos
para todos e um ensino digital efetivo e com equipamentos acessíveis. Há que
criar condições favoráveis para alunos e professores adquirirem equipamentos,
e, por, favor não repitam a tragédia dos Magalhães. Não há mais desculpas, de
que não temos formação, que o computador está estragado, que o servidor não
aguenta.
A realidade já passou por aí… esqueçam. É olhar para a frente, porque
terça feira lá estaremos com os nossos alunos, quase todos, se possível. Afinal
todos nós desenrascamos uma forma para estar com eles. Os professores são estes
seres misteriosos e tão diversos, que encerram em si mesmos uma enorme
resistência à mudança e ao que os tira do conforto e das rotinas; mas também
com esta capacidade de, em dias, revolucionar o ensino, quando são expostos à
inevitabilidade. Se calhar não lhes temos dado oportunidades de correr riscos,
se calhar não lhes temos dados autonomia e poder de decisão, se calhar não os
temos deixado criar o seu ensino, a sua profissão, se calhar resistem porque
não são tidos em conta. Temos um Ministério que controla hora a hora o seu
trabalho, minuto a minuto, linha a linha, com orientações detalhas de processos
de linhas curriculares, de formas de atuar, de currículos monolíticos impostos
por supostas reformas que não passam de ideias de poucos à revelia dos
restantes. A escola não é uma fábrica. Se calhar o ensino deveria ser pensado
com os professores e a partir dos professores, dando espaço para crescerem nas
suas próprias necessidades e propostas e deixarmos de ter um Ministério
paizinho que controla tudo, até a hora de deitar.
Publicado
originalmente no meu Facebook a 11 de abril durante período de quarentena.
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