Páginas

sábado, 16 de janeiro de 2021

Se temos ensino presencial, então há muito que fazer para apoiar e defender a comunidade escolar

 O ensino presencial sem planeamento e apoio às escolas, pode ter mais riscos que um confinamento geral temporário ou soluções mistas (ao contrário do que nos fazem crer). O pensamento único, esconde a falta de planeamento para que pudessem ser implementadas atempadamente soluções de maior bom senso e menos risco, mas se a decisão é pelo presencial, então há que cuidar das escolas, o que não está a ser feito.


A.     Refletir sobre as ideias feitas e seu fundamento

1-     As escolas são locais livres de risco? Não se sabe.

O Governo apresenta o caso das escolas portuguesas como um sucesso de não propagação do vírus, embora isso, a ser verdade, seja graças ao esforço acrescido dos professores e funcionários das escolas e não devido à ação da tutela, parece ser uma realidade. Mas será?

 A dúvida coloca-se quando é factual que não se sabe as causas do contágio em 87% dos casos.

 A dúvida adensa-se quando se sabe que nas escolas não há testagem, mesmo em casos de contato direto. Dezenas de turmas, em cada escola fazem isolamento profilático, à vez ou em simultâneo, pela deteção de um caso positivo, mas os restantes não são testados. Voltam após duas semanas, mas quantos foram os casos? A quem passaram? Qual o contributo desses alunos em cadeias de contágio?

 A dúvida confirma-se quando se constata que não há dados referentes às escolas, não se apresentam estudos, apenas nos apresentam opacidade e o secretismo em relação aos verdadeiros números de infetados, surtos e cadeias em escolas ou surtos com a participação de alunos, pais e professores. Não há um estudo em relação às escolas onde seja fiável dizer que as escolas não contribuem para o contágio da comunidade. Pelo contrário, há muitos especialistas que defendem que se as escolas fecharem, os números da comunidade baixarão mais rapidamente.

 Temos também aquilo que emerge da realidade, onde há inúmeros relatos preocupantes, inúmeras turmas em isolamento, ou casos de pais em isolamento por terem contatos de risco ou funcionários de lares onde há surtos, cujos filhos são mandados para as escolas. Casos onde um irmão está com sintomas, mas aguarda teste e o outro pode ir à escola, bem como os pais podem ir trabalhar. Casos onde pais e alunos têm sintomas e só uma semana depois irão ser testados e, entretanto, não têm como faltar, quer por pressão das entidades patronais, quer por indicação do Delegado de Saúde.

 Neste momento há locais onde a pressão para testes está a causar demoras e incapacidade dos serviços e, quem não pode recorrer ao privado e pagar 100 euros por um teste, vai trabalhar para as escolas, ou manda os filhos. A testagem e o acompanhamento dos contágios parecem descontrolados e os serviços estão nitidamente sem possibilidade de gerir as situações.

A experiência diz-nos três coisas, primeiro, que o aumento de casos nas escolas, nos pais e parentes é uma realidade; segundo, que a testagem é altamente deficitária e está a ser tardia, bem como o acompanhamento de cadeias; e terceiro, há critérios díspares e incompreensíveis de contatos diretos que continuam a ir à escola ou trabalhar.

Como se pode então vir dizer que as escolas não são locais de risco, de contágio, ou que não contribuem para o contágio comunitário?

Poder-se-á dizer que as crianças têm menos sintomas quando positivas, mas há risco sim, pois nas escolas há professores e funcionários e para eles a escola é efetivamente um local de risco, quer direto no seu seio, quer de forma indireta pela movimentação de pessoas que o seu funcionamento implica na comunidade.

Não há fundamento para apresentar as escolas como milagres e zonas livres de risco, quando efetivamente a realidade o desmente e o secretismo impera nos números.

2-     Os casos de infetados aumentaram quando as escolas estiveram fechadas, 

logo as escolas não têm risco? Pouco fundamentado.

Quais são os dados que comprovam esta afirmação? Nenhum. Isso significa que os casos aumentaram nas épocas das férias, porque houve mais contatos sociais, viagens, movimentação de núcleos familiares e contatos sociais novos devido a contextos diferentes. Mas pelo fato dos casos comunitários terem aumentado quando as escolas estavam fechadas, não significa que fica provado que as escolas não concorrem para os contágios. É uma extrapolação infundada, porque, como se referiu anteriormente, desconhece-se a origem dos contatos e não há estudos nas escolas, logo, qualquer informação do género é mera especulação feita ao sabor das conveniências.

3-     Há prejuízos para o desenvolvimento se as escolas fecharem por  semanas? 

Não. Pode até resultar em ganhos de mais tempo na escola.

Qualquer especialista em desenvolvimento infantil dirá que três semanas de aulas ou pré-escolar, não afetam a aprendizagem ou o desenvolvimento de uma criança. Especialmente se estiver em contexto familiar, onde há afetos, apoio, socialização e solidificar de laços. Sabe-se de muitos pais que relatam nunca terem tido uma relação tão profunda com os filhos como durante o confinamento. As relações de afeto e a família, valem muito mais que 3 semanas de aulas, para além do medo de muitos pais em mandar os filhos numa altura de isolamento, quando muitos deles estão em casa. Somo o país onde as crianças passam mais tempo em instituições, quando deviam estar com a família.

Para além disso há muitos pais preocupados e mesmo com medo e não estão a ser ouvidos ou representados nas suas angústias, ocultadas por uma defesa do ensino presencial a todo o custo, que já começa a parecer insana e que inibe os pais de proteger os filhos como desejam.

Analisando o número terrível e crescente de mortes em Portugal e desconhecendo-se a realidade do contágio em escolas, o encerramento por 3 semanas não será uma medida assim tão disparatada como querem fazer crer.  Chegamos a uma situação em que a opção pode estará a ser entre três semanas de aulas e a diminuição de casos e de mortes, para que num futuro breve se possa retomar alguma normalidade, com a comunidade mais estabilizada.

Para além disso todos os dias há centenas, se não milhares de alunos em casa em isolamento profilático. Nada garante que, se todos fechassem ao mesmo tempo, isso não resultaria num contributo para o decréscimo dos números na comunidade e posteriormente houvesse ganhos efetivos de tempo útil na escola, em vez de permanentes isolamentos intermitentes, que se forem somados vão seguramente ser mais que 3 semanas. Com ganhos também em termos de igualdade e mais tempo de acesso.

4-     As escolas são fatores de proteção e de igualdade, funcionando como promotores 

de equidade e apoio social? Sim. Mas…

Todos os dias os alunos vão para casa e mesmo tendo em conta que na escola estão mais protegidos, depois das 16 horas e fins de semana não estão. O que dizer sobre os milhões de pessoas que se deslocam diariamente por causa das escolas e as consequências que daí com certeza advirão? O risco tem de ser medido. Porque numa situação descontrolo comunitário como a que vivemos, o contágio não fica apenas dentro do núcleo familiar e a escola passa a funcionar como plataforma giratória num circuito com milhões.

Nada impede de se manterem escolas abertas para esse tipo de casos mais frágeis, com melhores condições devido ao espaço que é possível rentabilizar ou, em articulação com as juntas de freguesia e a ASE, apoiar essas famílias e essas crianças em casa.

Os alunos podem também aceder aos meios tecnológicos necessários na própria escola para acompanhar o ensino à distância e assim se cria a igualdade, já que a promessa de computadores e meios tecnológicos não se concretizou.

As escolas facilmente detetam esses casos e podem constituir-se plataformas de apoio tecnológico, de reforço de aprendizagem e de compensação social temporário.

Para além disso, as preocupações com os alunos, podem estar a mascarar preocupações económicas e políticas, porque se houvesse uma verdadeira preocupação com a desigualdade, isso teria de estar expresso em ações a muitos outros níveis e teriam sido tomadas ações de planeamento em relação a isso desde março.

 EM RESUMO:

De acordo com a reflexão anterior, há razões para sustentar o fecho temporário das escolas em todos os graus de ensino, na situação atual de rutura eminente da saúde pública e crescimento da mortalidade. Os ganhos em saúde pública podem justifica-lo e esse encerramento temporário está longe de ser a tragédia que nos anunciam ou ter os efeitos que nos querem vender.

Sustenta-se também que pode haver um encerramento parcial do 3º ciclo e secundário, mantendo o 1º ciclo, ou implementar soluções mistas de meio tempo presencial, mediante cada concelho ou contexto. São soluções a considerar e que podem ser uma segurança, para prevenir uma passagem direta para o Plano C.

Porque:

Desconhece-se a origem de 87% dos casos e não há estudos nas escolas, logo não se sabe o contributo nas cadeias escolares ou comunitárias.

Não é drama nenhum fechar as escolas todas em simultâneo por 3 semanas, ou encontrar soluções mistas, antes pelo contrário, dado que todos os dias há centenas de turmas em isolamento por duas semanas, de forma rotativa e sempre haverá. Desta forma o tempo útil com escola presencial pode até vir a ser superior, com ganhos para os alunos e para os laços familiares

Percebe-se um aumento de riscos para os professores, funcionários e os próprios alunos e suas famílias, com a continuação do agravamento dos casos.

Sabe-se que muitos pais mandam os filhos à escola com enorme preocupação e apenas porque há um tipo de ameaça velada nas afirmações de responsáveis, de que será grave para o desenvolvimento e aprendizagem, o que não é verdade;

Casos e relatos fazem suspeitar uma situação de descontrolo e falta de meios na testagem, no acompanhamento, no isolamento de linhas de contágio e no acesso aos serviços de saúde, bem como no acompanhamento dos surtos nas próprias escolas.

Anteveem-se muitas faltas à escola de alunos cujos pais confinam e, obviamente, preferem não os mandar para a escola sabendo de casos positivos nas mesmas, embora estejam silenciosos e não representados;

As escolas estão entregues a si próprias, num esforço para cumprir regras e conter os contágios, mas sem testagem, sem vacina, sem reforço de recursos e com a insistência de que tudo funcione como se não houvesse uma pandemia. Podemos estar a preparar uma situação de descontrolo também dentro das próprias escolas, quer por força do descontrolo comunitário, quer também por possíveis surtos graves dentro das próprias escolas.

A verdadeira razão em não aceitar um encerramento temporário das atividades letivas, terá muito mais a ver com razões económicas e políticas.

B.     Soluções de bom senso para controlar ao máximo os riscos

 É consensual a importância do ensino presencial, especialmente para os mais novos, mas isso não significa que em situações de maior descontrolo comunitário ou de contenção de riscos ao longo do ano, não possamos optar pelo desdobramento de horários e/ou tempo parcial presencial e online, como forma de conseguir o afastamento social e o isolamento de grupos que não foi acautelado inicialmente com a redução de alunos por turma.

 Caso as opções e posições sejam de manter ensino presencial, isso não pode ser feito a todo o custo como se não estivéssemos numa pandemia, nem as escolas podem continuar a funcionar como até aqui, com enorme esforço de todos, sem que isso seja tido em conta.

 Há um nível de esforço e stress suplementar a ter em conta:

a)      Os docentes fazem um enorme esforço para comunicar usando máscara, bem como os alunos para aprender.

b)     É feito um trabalho acrescido de vigilância dos alunos e no aplicar das regras, de forma sistemática.

c)      A situação de pandemia que se vive aumenta os níveis de stress e altera a tranquilidade emocional necessária a um ensino eficaz e de qualidade.

d)     Existem turmas inteiras em isolamento, mas existem também apenas alguns alunos de certas turmas em casa. Estas duas situações ocorrem rotativamente. A isto somam-se os alunos que estão o ano inteiro em casa por risco grave para a saúde. Torna-se impossível compensar todas estas necessidades, para além das aulas em si. Não está a ser possível cobrir as matérias e as recuperações de matéria. Os professores não conseguem acorrer a tudo e os pais exigem apoios em casa ou acompanhar as aulas, o que gera uma situação completamente inacreditável. Esta situação origina alunos em múltiplos níveis e acrescentam desequilíbrios e desigualdades no próprio ensino presencial, que não estão a ser tidas em conta nas decisões.

Por estas razões e, dado o ano anormal que se vive, seria muito importante, por um lado, minimizar ao máximo os riscos e, por outro lado, ajudar as escolas e os professores a conseguirem focar-se naquilo que é essencial, ou seja, no ensino de todos com qualidade. Por isso, umas das linhas de ação mais importantes a levar a cabo seria apoiar e aliviar os docentes de todo o trabalho supérfluo e não essencial que continua a ser exigido, bem como desenvolver adaptações ao sistema que garanta disponibilidade máxima no apoio e ensino aos alunos, quer presencial, quer misto. Por isso faz todo o sentido:

Não realizar eventos presenciais nas escolas, como reuniões e outros, que ainda se verificam de forma inexplicável.

Reforçar os meios tecnológicos nas escolas e os recursos humanos, quer docentes para substituições e apoios suplementares presenciais ou à distância; como também funcionários para acompanhamento de alunos com necessidades específicas e tarefas de higienização;

Encontrar respostas mais robustas de meios tecnológicos e apoio efetivo aos alunos que se encontram em casa, devido a risco grave para a saúde ou isolamento profilático temporário.

Repensar a realização das provas de aferição e finais do ensino básico.

Repensar a avaliação, focando nas aprendizagens mais essenciais, para garantir uma base a ser atingida por todos em qualquer circunstância.

Repensar a avaliação de desempenho docente, nomeadamente adiando para escalão seguinte a obrigatoriedade de formação e de aulas assistidas, com avaliadores externos e formadores a circular entre escolas.

Dispensar as escolas das inúmeras tarefas burocráticas, muitas delas inúteis ou sem contributo para a melhoria das aprendizagens e que só sobrecarregam os docentes no presente ano.

Criar regras generalizadas, claras, uniformes e mais apertadas de segurança prevenindo riscos como acabar com a mistura de bolhas nas AEC, CAF, EMRC, Clubes, Desporto Escolar, salas de disciplinas práticas e outras onde os contatos se cruzam.

Centrar os recursos humanos dos Agrupamentos no apoio educativo, no ensino, nas parcerias e na entreajuda relacionada com o apoio direto aos alunos.

Avaliar as condições dos transportes escolares em termos de sobrelotação e tempos de espera.

Ainda em termos de riscos sanitários seria importante: Vacinar os docentes o mais breve possível; testar e acompanhar efetivamente cadeias de contágio; tornar transparente a situação nas escolas; não penalizar os professores de risco caso necessitem de mais de 30 dias de isolamento; e agilizar as faltas de pais e alunos, sem as demoras e inconsistências do sistema de testagem e dificuldades em obter consultas e respostas das autoridades de saúde.

C.     A intransigência esconde fragilidades

É necessário refletir sobre as posições intransigentes de defesa do ensino presencial cego sem melhorar as atuais condições, por quatro razões:

1- Estar em sintonia com o governo em apresentar um milagre nas escolas em regime presencial, embora pouco fundamentado; contribui para este manter a face, mas afasta-se da realidade das escolas, dos professores e dos pais, para além de hoje ser difícil sustentar um ensino presencial total a todo o custo, face aos perigos para a saúde pública e o descontrolo que se vive, que recomenda um maior equilíbrio na análise e nas posições.

2- A defesa do ensino presencial não pode ser motivo para baixar os braços e não se ter posições fortes de proteção das escolas e dos professores, exigindo apoio, recursos, acompanhamento, vacinação, testagem, dados claros, estudos, seguimento de linhas, bem como criação de melhores condições e critérios mais rigorosos e uniformes. Qualquer que seja o regime, nunca podemos ficar satisfeitos, só porque temos ensino presencial, desfocando das enormes carências e necessidades das escolas, bem como na diminuição máxima dos riscos.

3- A defesa das vantagens do ensino presencial tem de ter consequências na prática. Se as escolas são importantes, então os professores e funcionários são importantes e, estando na linha da frente, devem ter prioridade acrescida na proteção, nas condições e também na vacinação, nomeadamente aqueles com mais de 55 anos e aqueles com contato físico com alunos ou em salas onde os alunos não usam máscara. Não se pode divulgar a ideia de que nas escolas não há riso. Há risco sim, para os professores e funcionários, já que se diz não haver para os alunos ou para o contágio comunitário (por fundamentar). O verdadeiro risco é acharmos que tudo está bem.

4- Desde março que se sabia e se previam problemas e vagas durante o ano, mas o ME apostou apenas no presencial a todo o custo e não preparou soluções alternativas. O presencial cego é também uma forma de esconder a inação e a falta de planeamento. O ensino não presencial ou misto, coloca a olho nu os problemas e desigualdades entre famílias e alunos e evidencia o que não foi preparado e acautelado, mas podia ter sido. Sob a capa de minimizar desigualdades e prejuízos para os alunos, escondem-se também as falhas enormes do sistema e a demissão deste executivo, que quer, a todo o custo, demonstrar o contrário. Mas a que preço?  Estamos de fato preocupados com o ensino dos alunos, ou estamos a esconder as fragilidades do Sistema, sem aprender nada com toda esta situação?

Gonçalo Gonçalves e Jorge Humberto Nogueira

Professores 

Sem comentários:

Enviar um comentário