Este Governo despede-se deixando todos os problemas da Educação Pública por resolver, após o falhanço negocial para valorizar a carreira e as condições de trabalho dos professores. Focou-se no ataque ao direito à greve e deixa como herança uma carreira destroçada, uma classe desiludida e desmotivada, bem como largas dezenas de milhares de alunos sem aulas. Para responder à crescente falta de professores tem para apresentar a possibilidade de se poder dar aulas sem habilitação para a docência. A batata quente passa para o senhor que se segue, resta-nos assistir ao patético desfile de promessas eleitorais daqueles que, no passado, sempre se juntaram para negar justiça aos docentes.
Foi promulgado neste final de novembro de 2023 o Decreto-Lei n.º 112/2023 de 29 de novembro, que altera o regime jurídico da habilitação para a docência no pré-escolar, básico e secundário, abrindo a possibilidade de se dar aulas sem profissionalização, ou seja, sem se ser professor. Este recurso a habilitações próprias, estagiários e a jovens sem licenciatura completa, para além de anacrónico, visa facilitar o acesso, mas, na realidade, corresponde a um retrocesso, que vai colocar em risco a qualidade do ensino, bem como abrir a porta para a desvalorização da profissão, criando uma escola pública de serviços mínimos, desigual e com futuro incerto.
Tem ainda o efeito pernicioso de criar nas escolas a figura do professor orientador mais experiente, que apenas visa sobrecarregar ainda mais os professores, já desgastados e com excesso de atividades burocráticas, sem contrapartidas monetárias. Cria-se um sistema de facilitação para dar aulas, assente em jovens descartáveis e na sobrecarga de trabalho dos professores, a custo zero.
Esta decisão veio
juntar-se a todas as outras, que também consideraram ilegais os serviços
mínimos decretados em 2023, numa tentativa patética do Ministério para esvaziar
a luta dos professores que se mobilizaram na rua e nas escolas a níveis
extraordinários na defesa da Escola Pública. Apesar das ameaças de processos
disciplinares e perseguições, no final prevaleceu a justiça e a legalidade,
deixando a nu até que ponto vai um Governo para cercear a liberdade sindical e
a legitimidade constitucional do protesto de uma classe.
O falhanço das
negociações, não é uma fatalidade, representa sim a recusa em investir na
escola pública e, com isso, criar as bases para um sistema dual, que alimenta o
ensino privado.
Gestão economicista dos recursos humanos, mascarada de inevitabilidade.
Tenta-se fazer crer
que a falta de professores é uma inevitabilidade em todos os países, mas não é
o que se verifica quando olhamos o percurso de decisões desastrosas na gestão
da educação em Portugal.
Para além do falhanço na gestão dos recursos no serviço público, este Ministro deixa a classe mais envelhecida da União Europeia completamente desmotivada, desiludida, com sinais claros de exaustão, sem perspetivas de carreira e com ordenados abaixo do que seria justo.
Eleitoralismo dos que nunca estiveram do lado da solução
Ficam adiadas as soluções para um próximo Governo, que vão muito além da devolução do tempo de serviço, agora acenado como promessa eleitoral daqueles que no passado nunca estiveram do lado da solução para os problemas difíceis que a Escola Pública enfrenta.
Um dos candidatos à liderança do PS e ex ministro Pedro Nuno Santos, acaba de admitir publicamente que afinal é a carreira dos professores que está em desvantagem em relação à restante função pública, onde já ocorreu recuperação do tempo congelado e não o contrário como foi amplamente propagado. Foi preciso haver eleições para se admitir publicamente o que sempre foi óbvio, deitando por terra a falácia de que dar justiça aos professores iria criar desigualdades nas restantes carreiras. Foi o vale tudo, mas os professores têm memória.
Não esquecemos que em 2011 Passos Coelho mandou os professores emigrar e disse, em 2013, que havia professores a mais, sendo secundado por Nuno Crato (2012) e Rui Rio em 2019. Também Tiago Brandão Rodrigues negou sempre a falta de docentes. Em maio de 2019 PSD e CDS, juntaram-se ao PS para chumbar a proposta de reposição total do tempo de serviço. Sem maioria do PS, o problema tinha ficado resolvido.
Também não esquecemos que em 4 de dezembro de 2020,
foram discutidos na AR três projetos de Resolução do BE, PCP e PAN, de melhoria
das condições da escola pública, por iniciativa da “FENPROF”, onde, para além
da recuperação do tempo de serviço se propunha o
combate à precariedade e criação de um regime de concursos justo; a eliminação
da barreira no acesso aos 5.º e 7.º escalões; o rejuvenescimento da classe
docente e um regime específico de aposentação; bem como o cumprimento das 35
horas semanais com a clarificação da componente letiva e não letiva. Todos os
projetos foram chumbados por PS, PSD e CDS-PP e nessa altura também não havia
maioria absoluta do PS.
Por estes exemplos, sabemos quem sempre se juntou para negar justiça aos
docentes.
Chegados aqui,
com eleições marcadas, nada mudou na carreira dos professores, que mantem todos
os estrangulamentos, ultrapassagens e injustiças, a par das más condições de
trabalho e perda de rendimentos. Não se investiu na qualificação do ensino
público, não se salvaguardaram as condições de trabalho, não se promoveu o
respeito pelos docentes, nem o diálogo social, pedras basilares da qualificação
do sistema.
Em Portugal
ficou tudo por fazer, cabendo agora ao país decidir se mantemos uma gestão lesiva da escola pública, cada vez mais fragilizada
e em risco de se tornar num serviço mínimo reprodutor de desigualdades e
injustiça social.
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