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sábado, 2 de novembro de 2024

Quem acode à Intervenção Precoce

Nos últimos anos tem ganho relevância a educação desde o primeiro ano de vida como fundamental para o desenvolvimento das crianças, sendo a creche uma plataforma essencial. Apesar do crescimento da natalidade e do aumento de procura de respostas para a primeira infância, ficou esquecido um dos pilares do sistema: a Intervenção Precoce na Infância, IPI, a parente pobre do sistema.

Com um programa de creches gratuitas que procura a universalidade e igualdade de acesso, teria sido natural que também se dimensionasse a IPI a esta demanda, mas tal não aconteceu, pelo contrário, este serviço, já com enormes carências, passou a sofrer mais pressão e a não acompanhar as necessidades.
O Sistema Nacional de Intervenção Precoce, SNIPI, foi criada em 2006, através de um conjunto de Equipas Locais, para apoiar as crianças mais vulneráveis, dos 0 aos 5/6 anos, idade onde esse trabalho tem uma maior eficácia na promoção do desenvolvimento.

Está há muito estabelecido que a intervenção o mais precoce possível, no caso de risco de desenvolvimento ou perturbações estabelecidas, tem resultados mais efetivos devido às características plásticas do sistema nervoso central e ao intervalo temporal adequado de crescimento. É a idade onde se tem de apostar mais na intervenção e onde ela faz toda a diferença, mas por outro lado é também a idade em que a ausência de uma intervenção de qualidade, pode tornar irreversíveis as alterações verificadas.

Não se pode promover a inclusão e a equidade na primeira infância, sem desenvolver um serviço de Intervenção Precoce com qualidade, universal no acesso e com recursos suficientes para as necessidades do país.  Urge repensar o funcionamento e o investimento nas 155 Equipas Locais de Intervenção Precoce, ELI, com enormes carências de recursos multidisciplinares, de meios, de articulação entre entidades diversas e com grandes listas de espera. Muitas destas equipas acabam por apoiar mais alunos do que o seu financiamento prevê, com as consequências óbvias na qualidade e capacidade de resposta. A própria IPI assinalava em 2023 mais de 3500 crianças em espera.

Este conjunto de serviços é da responsabilidade dos Ministérios da Saúde, Segurança Social e Educação, gerindo 1664 profissionais das diferentes áreas, no apoio às famílias, às crianças e às creches e jardins de infância, nomeadamente quase 28 mil crianças, segundo dados de 2023.

Ainda de acordo com os relatórios anuais deste serviço, desde 2020 o número de crianças atendidas tem aumentado cerca de 2 mil por ano. Em contraste, as horas de trabalho efetivo das equipas e o número de profissionais têm diminuído, mantendo-se em números abaixo de 2019. Só entre 2022 e 2023 o número de profissionais diminuiu em 29, para além de haver muitos a tempo parcial ou sem estabilidade e sem garantia de continuidade na intervenção.

A par de carências de recursos humanos, especialmente terapêuticos e das assimetrias regionais, existem divergências quanto ao modelo a seguir pela IPI, bem como dificuldades de representatividade e articulação entre as entidades dos 3 Ministérios envolvidos, sendo imperiosa uma avaliação independente da sua eficácia, que alavanque e qualifique o serviço.

Mayday Mayday

Quando da criação do SNIPI, o professor Bairrão Ruivo, um dos maiores investigadores e impulsionadores da IP em Portugal, alertava, num famoso artigo intitulado “Mayday, Mayday”, para o perigo da alteração do paradigma de funcionamento e o recuo do Ministério da Educação, ME, na criação do SNIPI, dado que, a Intervenção Precoce deve ser uma abordagem multidisciplinar em Educação Especial, com relevo para os profissionais da educação especializados, os docentes de Educação Especial, de acordo com os melhores critérios internacionais.

Este docente da Universidade do Porto, já previa muitos dos problemas que hoje se verificam, devido ao modelo adotado e a uma secundarização do ME, retirando o foco da intervenção da esfera educacional, abrindo a opções de cariz mais terapêutico. Resultam diversas formas de funcionamento pelo país, desarticulação entre serviços e uma diminuição de apoio aos Jardins de Infância da rede pública, onde milhares de crianças e profissionais da educação não têm o acompanhamento multidisciplinar devido, porque devido à falta de recursos se priorizam os domicílios, as idades mais baixas e as instituições do setor social, cooperativo e privado.

Hoje, com o enorme aumento do número de horas de permanência das crianças em instituições da primeira infância como as creches e os jardins, a IP deveria estar no centro das preocupações dos envolvidos. De acordo com os especialistas, deve-se considerar a creche até aos 3 anos como serviço educacional, como no pré-escolar e não apenas social e assistencial, dada a importância de uma educação adequada de qualidade nestas idades. Daí ser natural que se enquadre a IPI nessa desejável restruturação, retomando o papel do MECI, desde logo com a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo, cuja revisão está anunciada, mas cujas propostas se desconhecem.

Também a situação dos técnicos e terapeutas, não está acautelada em termos de estabilidade, exclusividade e remuneração, sendo mais atrativo o setor privado. Os professores e educadores especializados, representando a Educação, são selecionados para as equipas através de um sistema difuso de destacamento, sem concurso e sem grupo disciplinar, que garanta as qualificações e o perfil necessário, bem como a justiça no acesso.

Urge olhar para os investimentos nesta área com mais seriedade, promovendo um serviço de Intervenção Precoce multidisciplinar de cariz educacional, centrado no apoio às famílias, às crianças dos 0 aos 6 e também aos profissionais da educação, com efetiva capacidade de responder universalmente, com qualidade e igualdade.

Doutro modo corremos o risco de ficar com uma resposta pública de serviços mínimos para apoio das crianças mais vulneráveis, enquanto as famílias de mais recursos acedem a privados com o Estado a transferir ainda mais recursos, por incapacidade ou demissão das suas obrigações numa área tão sensível.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Programa para mais professores remenda o presente e ignora o futuro da profissão


Falta de professores resulta do desinvestimento estrutural na escola pública.

O Programa agora anunciado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, (MECI) para combater a falta de professores, intitulado “+Aulas +Sucesso”, não apresenta mecanismos para tornar a docência uma carreira atrativa ou melhorar as condições de trabalho a médio e longo prazo, deixando sérias dúvidas sobre a sua eficácia estrutural, dada a dimensão do problema.

Esta resposta, propõe medidas imediatistas pontuais, sem investir a fundo na Escola Pública no seu todo, nem na profissão em particular, deixando por resolver as questões da precariedade, dos custos de deslocação, dos bloqueios ao acesso a escalões mais altos, das injustiças e ineficácia da avaliação, das más condições de trabalho, dos abusos laborais e da aposentação tardia numa profissão de desgaste rápido.

Plano do MECI propõe remendos baratos e esforço dos professores

As propostas anunciadas pelo MECI para aumentar profissionais no sistema exigem ainda mais esforço aos professores e são pouco robustas, destinadas a apagar fogos no imediato.

Não é à toa que o Programa se chama + Aulas, pois as medidas de gestão têm a preocupação cosmética de não deixar os jovens nos pátios das escolas por períodos longos para não dar má imagem, mas criando problemas à gestão das escolas e à organização dos horários.

No reforço de recursos, aposta em investigadores, mestres e doutorados sem formação profissional, que supostamente a farão já nas escolas, o que segue a sequência anterior de profissionais não habilitados, precisamente aqueles que não quiseram seguir a via ensino.


O Plano recorre ainda a medidas que aumentam o esforço dos professores e educadores, reforçando o limite de horas extraordinárias e pretendendo que muitos adiem a reforma e alguns aposentados regressem.

Há aqui uma ironia do destino, já que foi precisamente a estes mais de 40 mil docentes reformados ou em fim de carreira, que o MECI negou reaver total ou parcialmente o tempo de serviço através de mecanismos de compensação no cálculo da aposentação, recusados em negociação. Muitos deles estão prestes a reformar-se esgotados e injustiçados, com remunerações muito abaixo das que teriam se lhes fosse dado o tempo congelado.

De acordo com as contas feitas a tudo isto, a FENPROF avança com o número possível de 3400 docentes que podem resultar deste Plano, se correr bem e houver voluntários. São menos que os reformados deste ano e muito aquém dos milhares que têm saído.

Face ao diagnóstico do problema, torna-se óbvio que este Plano apenas foca o imediato, procurando minimizar o número de alunos sem aulas, mas gastando o mínimo possível e ignorando toda a dimensão estrutural no médio e longo prazo.

Há muito onde investir na Escola Pública, irei focar-me nas três principais ideias para uma carreira mais atrativa, pois aí reside grande parte da solução de futuro para reter e atrair profissionais. Há 3 áreas, que continuarão a afastar profissionais até ao momento em que já não haverá remendos que valham.

1.     Início de carreira com apoios e justiça.  Os jovens professores saíram aos milhares porque os sucessivos Governos apostaram na precariedade, permitindo que os contratados estivessem em média 15 anos sem entrar na carreira e sem apoios à fixação ou à deslocação. Por isso o início da carreira tem de garantir uma vinculação rápida e apoios a quem se desloca e merece viver com dignidade.

2.     Melhores salários e acesso a toda a carreira. A perda de poder de compra está devidamente comprovada, sendo prioritária uma melhoria salarial. Por outro lado, não é possível atingir os escalões mais elevados, num total de 10, pelos excesso de anos de contratação e pelos travões nas vagas ao 5º e 7º, articulados com uma Avaliação de Desempenho Docente, ADD que impôs quotas de 25% nestes patamares, com reflexos muito negativos no salário e na aposentação. Estas vagas têm de acabar e a ADD tem de ser justa, igual em todo o país e ao serviço da melhoria dos profissionais e da qualidade do ensino.

3.     Horários justos e condições de trabalho. A exaustão é uma evidência, dado tratar-se de uma atividade de desgaste rápido, embora não reconhecida como tal. O aumento da idade de reforma, a par da imensa quantidade de burocracia inútil, leva à deterioração e ao desânimo, que é hoje a realidade das escolas. É urgente rever a aposentação para rejuvenescer a profissão e melhorar as condições de trabalho, respeitando os horários. Todas as tarefas têm de ser contabilizadas e não podem ser dadas a quem não tem mais tempo. Os abusos acabam por desgastar e prejudicar muito o tempo de preparação e avaliação, recaindo sobre a vida pessoal dos professores e educadores.

Abandono da profissão é fruto de má gestão de recursos

A falta de professores e educadores em Portugal é um problema estrutural previsível há mais de uma década, sem que tenha havido preocupação em resolvê-lo, pelo contrário, foram levadas a cabo diversas políticas economicistas que só agravaram a situação e contribuíram para minar o prestígio e a confiança em relação à classe.

As dificuldades e deterioração da carreira, levaram à diminuição de 30 mil profissionais, desde 2011, especialmente os mais jovens, eternamente precários e deslocados, a quem foi dito que estavam a mais e podiam emigrar.

Acresce o aumento populacional fruto da imigração, onde se regista já um aumento de 15 mil alunos no básico e secundário, contrariando as descidas nos anos anteriores. Em 2022 ultrapassamos 1 milhão e meio de alunos e a reversão do saldo de natalidade sugere que o aumento de alunos se irá manter.

Quando a idade da reforma dos professores aumentou em média 10 anos, foi adiado um problema, que acabou agora por aparecer. Só nos últimos três anos aposentaram-se mais de 10 mil profissionais: 2400 em 2021/2022; 3400 em 2022/2023 e em 2023/2024 serão cerca de 5 mil.

Números que vão aumentando a cada ano e até 2030 serão precisos 34mil e quinhentos professores. Em 10 anos cerca de 70% dos atuais professores já se reformaram enquanto que os novos professores rondam os mil por ano, muito aquém das necessidades.

Num total de 150 mil e 600 profissionais desde o pré-escolar ao secundário, as proporções do problema são incontornáveis, pois não existe reposição pela fraca adesão dos jovens à profissão docente, entre outras razões, pelo facto de serem eles quem melhor testemunha a vida dos seus próprios professores.

Face ao panorama verificado, não é de estranhar que milhares de alunos comecem a ficar sem aulas e que só agora alguém tenha finalmente acordado. O problema é que travar este comboio em marcha acelerada, não se faz com remendos.

Milhares de alunos sem aulas fizeram finalmente soar as campainhas

De acordo com os dados do próprio MECI, o presente ano letivo começou com quase 224 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina, ou seja, 18680 turmas. Em maio eram ainda cerca de 22 mil de 1126 turmas.

Um dos remendos encontrados foi a contratação de professores sem formação, que ascenderam aos 3900, bem como o recurso a horas extraordinárias, que vieram mitigando a situação e mascarando o problema, chegando ao final do ano com este número de 939 alunos de 47 turmas.

As regiões de Vale do Tejo, Alentejo e Algarve são as mais afetadas, pela existência de mais formação a Norte e pelo custo de vida e de habitação nestas zonas.

O grupo disciplinar de informática é onde faltam mais docentes, no entanto Português, Matemática e Geografia, estão logo a seguir, com a Educação Pré-escolar e Físico-química em 5º e 6º respetivamente. As disciplinas consideradas críticas são já 15, integrando Biologia, História, Inglês e Educação Especial.

Não há professores porque se deixou degradar a carreira e as condições de trabalho. Quando os docentes lutaram nas ruas alertando para a necessidade de melhoria da profissão como forma de garantir o futuro da Escola Pública, era precisamente disto que falavam.  

Com este panorama não adianta o Governo remendar ou mascarar os problemas que só tendem a aumentar, para depois vir dizer que nada funciona e que a solução é enterrar mais dinheiro público em alternativas privadas.

Sem um investimento sério na Escola Pública, através de medidas estruturais que a tornem atrativa, forte e qualificada, teremos mais desigualdades e assimetrias, que criarão escolas a duas velocidades, com um custo brutal para os mais desfavorecidos e para o futuro do país.

Jorge Humberto Nogueira

Professor. Mestre em Educação Especial e Inclusão.


Artigo originalmente publicado em ESQUERDA NET, em:

https://www.esquerda.net/opiniao/programa-para-mais-professores-remenda-o-presente-e-ignora-o-futuro-da-profissao/91487

Foto de fauxels:

https://www.pexels.com/pt-br/foto/homem-de-blazer-bege-segurando-computador-tablet-3184328/





quarta-feira, 19 de junho de 2024

A discriminação nas escolas previne-se com políticas de integração e recursos para a equidade

A Ministra da Administração Interna do atual Governo, em declarações sobre uma agressão a um aluno estrangeiro, apresenta como solução o aumento de policiamento. Para as escolas defende-se mais polícia, enquanto que em diversos setores da sociedade se toleram discursos, manifestações e comportamentos racistas e xenófobos, cada vez mais graves e frequentes.

Há hoje a clara perceção que estes fenómenos estão a crescer também nas escolas, da mesma forma que na sociedade, mas a falta de políticas nacionais e monitorização, não permite perceber o que está a ser feito pelo direito à igualdade.

Sabemos que as situações de violência nas escolas, têm origem nos exemplos e no ambiente social e são reflexo disso. Esperamos muito mais do Ministério de Educação Ciência e Inovação, MECI, na abordagem a estes casos, bem como na violência e criminalidade em ambiente escolar, que aumentou 9% em 2023, de acordo com a Escola Segura da PSP.

Há alguma literatura criada, nomeadamente um guia específico para escolas e há intenções publicitadas como no Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, criado em 2021 pelo Governo PS, mas não se avalia nem se acompanha esta situação, não se sabendo se o assunto está ou não a ser abordado e se há ações concretas, ou se tudo não passa de sugestões de ação, que passam ao lado da vida diária de muitas escolas portuguesas.

De acordo com o Relatório Eurydice da UE de 2023 sobre “Promover a diversidade e a inclusão nas Escolas da Europa”, não há dados de monitorização disponíveis, referentes a Portugal, sobre os motivos que dão origem a casos de discriminação nas escolas, ao contrário do que acontece noutros países da Europa. Já em 2020 o Conselho Nacional de Educação CNE, num parecer sobre “Cidadania e Educação Antirracista”, recomenda a monitorização e a recolha de dados, como forma de desenvolver políticas públicas informadas.

Sem uma política nacional, fica ao critério das escolas e de cada professor o que fazer e que projetos desenvolver, ou que matérias abordar, por exemplo na disciplina de Cidadania, cuja avaliação da sua aplicação é pertinente, mas tarda.

O Sistema Educativo tem de se mobilizar de forma integrada

Estas situações devem ser abordadas no sistema educativo com foco na prevenção, dotando as escolas de programas, projetos, parcerias e recursos para a equidade, o acolhimento, a recuperação e o acompanhamento. São necessárias políticas nacionais, que alicercem projetos de integração e interculturalidade nas escolas, com informação e partilha, promovendo ambientes onde todos sejam ouvidos, se sintam valorizados e representados como parte de um grupo social que os acolhe como iguais.

Não está em causa a necessária articulação com as forças de segurança e de termos escolas em espaços seguros, agindo sobre qualquer forma de violência, mas necessitamos de ações abrangentes de prevenção e combate à discriminação e às desigualdades, nomeadamente implementando ferramentas de apoio às escolas para intervir de forma eficaz em situações de desvantagens e de dificuldades, como projetos de acolhimento e inclusão, onde existam equipas multidisciplinares, crédito horário de professores com formação, saúde escolar, assistentes socias e mediadores interculturais, entre outros.

Os novos alunos estrangeiros devem ser acompanhados e devidamente acolhidos, tendo onde se dirigir para resolver problemas, como a burocracia administrativa, a língua, a cultura, a documentação ou a ligação à família. Cada aluno necessita de uma resposta adequada que promova a integração, através de mecanismos holísticos de equidade e não apenas da aprendizagem da língua.

O ensino do Português Língua Não Materna, PLNM, é fundamental, mas inserido nas trocas culturais, que valorizem e integrem alunos estrangeiros e não pode depender do permanente “desenrasque” das escolas, ou de propostas segregadoras, que mitiguem o desejável ensino misto inclusivo, com o respetivo apoio.

O problema crónico de falta de Assistentes Operacionais resulta em espaços e recreios mal vigiados, falta de adultos perto dos alunos fora das aulas para apoio ou dissuasão de situações de violência. Por outro lado, a falta de professores para tutorias, parcerias, apoio e acompanhamento de alunos, tem reflexos visíveis nas dificuldades de aprendizagem e integração. A formação específica e a diversidade dos professores e restantes profissionais são também importantes, nomeadamente o recrutamento de docentes de origem diversa.

Devem existir também processos de monitorização com recolha de dados que permitam desenvolver respostas de prevenção e ação. Dados para se saber as razões e a dimensão do problema e das populações em risco por deficiência, orientação sexual, etnia ou diversidade cultural e religiosa.

Investir na capacidade transformadora da escola

O bem-estar emocional e o acesso à saúde em geral, nomeadamente saúde sexual, mental e outras especialidades, deve ser facilitado em articulação com o Ministério da Saúde, pois, como sabemos, o SNS tem desigualdades de acesso com os impactos conhecidos nas aprendizagens.

Por outro lado, os casos de pobreza e de risco sociofamiliar, muitas vezes ligados ao insucesso e ao comportamento dos alunos, têm de ter mecanismos de compensação económica na escola, mas também uma abordagem estrutural na comunidade, através do combate à pobreza e o acolhimento eficaz dos migrantes, porque uma escola não consegue ser fator de transformação se os alunos não tiverem uma situação social de igualdade em termos económicos familiares e sociais.

Uma escola sem equidade tem um preço elevado no desempenho escolar e nas oportunidades, daí, até aos problemas de comportamento e de exclusão geradores de violência, é um pulinho. Passa a escola a ser um mero reflexo de um contexto social de discriminação e intolerância, contribuindo para a violência e colocando em causa a coesão nacional.

A par da necessidade de uma vivência democrática nas escolas e do incremento de interações positivas em cada turma, há também uma dimensão curricular de adaptação do ensino à diversidade, que não é de menor importância.

Disciplinas das Ciências Sociais, como a História e a Cidadania, a própria Educação Sexual, entre outras, deveriam ter um papel mais preponderante, não só apresentando informação pertinente e conteúdos diversos e não parciais, como também pela discussão das consequências do nosso passado até aos dias de hoje.

A questão essencial é haver recursos específicos e monitorização destes processos de mudança, que sempre foram insuficientes ao longo do tempo, nomeadamente nos casos de inclusão, onde faltam recursos para os alunos com Necessidades Específicas; nos apoios e tutorias que são mitigados por falta de horas; nos sistemas informáticos com falta de apoio técnico; nas relações entre a escola e as famílias sem técnicos sociais; na saúde mental para a qual não há clínicos; na famosa recuperação de aprendizagens e ensino de língua não materna, que se fazem à custa do esforço e da criatividade das escolas e agora, mais um desafio com a integração da multiculturalidade, sempre com respostas insuficientes.

Com o crescimento dos discursos de ódio que potenciam o preconceito e os estereótipos na nossa sociedade, aumenta a necessidade de promover uma escola que combata a discriminação e as desigualdades de forma transversal, nomeadamente o racismo e a xenofobia.

Não podemos andar de projeto em projeto, de desafio em desafio a correr atrás do prejuízo.

Em vez de somarmos soluções, aumentamos carências e problemas, sempre a contar com o “atamancar” das escolas. Pelos vistos, vamos continuar sem um combate eficaz a estes problemas, a julgar pelos sinais do Programa de Educação do Governo e pela visão policial destas questões.

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Artigo originalmente publicado em Esquerda.Net em 2 de junho de 2024

Foto de Vlada Karpovich: https://www.pexels.com/pt-br/foto/escrito-a-mao-placa-aviso-alerta-4668358/

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Negociação do tempo de serviço dos professores: dar com uma mão e tirar com a outra

 

De acordo com as organizações sindicais, o MECI, Ministério da Educação, Ciência e Inovação, faz depender a devolução dos seis anos, seis meses e 23 dias, da revogação do chamado “acelerador de carreira” legislado pelo anterior governo, o decreto-lei nº74/2023, que não tem nada a ver com o tempo congelado, mas sim com o tempo de espera de vagas para os 5º e 7º escalões, que a maioria dos docentes sofreu a par do congelamento.

A proposta feita pelo atual Ministro aos sindicatos no primeiro encontro negocial, quer dar com uma mão e tirar com a outra, pondo em questão se há uma genuína vontade de respeitar as promessas eleitorais.

Não é leal misturar um outro assunto, apenas para penalizar os professores, pondo na mesa negocial este tipo de matérias, para depois se negociar o que, à partida, nunca deveria estar em discussão.

Para além disso, estender a devolução por cinco prestações de 20% até 2028, conforme proposto pelo ME, irá ser já bastante penalizador para os docentes nos últimos patamares, dado que se irão reformar ou atingir, entretanto, o último escalão sem receber parte ou mesmo a totalidade da reposição. Sem esquecer que muitos se vão reformando sem atingir o topo da carreira.

Deveria ser prevista a devolução para efeitos de cálculo de reforma, como forma de minimizar as injustiças, mas essa não é a proposta do MECI que, de acordo com os sindicatos, apenas aplica a devolução aos professores em exercício. Muitos professores nunca irão reaver este tempo e isso diminui a sua reforma, deixando-os em desvantagem em comparação com os restantes. É preciso referir que se irão reformar em 2024 cerca de 5 mil professores e em 2023 foram 3.500, mais de 50% do que no ano anterior de 2022. Tendência que se vai agravar de ano para ano, já que 55% dos professores tem mais de 50 anos de idade e destes, 22% tem mais de 60 anos. Ainda de acordo com o mesmo relatório da OCDE, em 2022 só 16% estavam no último escalão.

Não se pense que o tempo congelado é o único problema na carreira docente, pois a este acresce o tempo real perdido entre transições de carreira e ultrapassagens de quem vinculou após 2011 e foi reposicionado. Para alem disso há docentes que já usaram o tempo entretanto recuperado para sair dos travões do 5º e 7º escalões. São aspetos porventura difíceis de entender para quem está de fora, mas muito injustos para quem viu a sua carreira penalizada em diversas situações. Por isso, para além da recuperação do tempo de serviço, a única forma de reparar as injustiças criadas pelos remendos feitos ao longo do tempo, seria reposicionar todos os docentes no seu devido escalão de acordo com o seu real tempo de serviço. Parece simples, mas demonstra que os problemas dos professores são mais estruturais e o descontentamento e desânimo têm raízes profundas, que um mero regatear ministerial ofende.

A carreira docente já é suficientemente penalizadora para assistirmos a todos estes truques negociais, atingindo pessoas que deram a vida pela Educação. Com um brutal congelamento por devolver; com anos e anos de travão em dois dos 10 escalões da carreira, onde só passam 25% dos professores e com os anos de estagnação como contratados, que pode ir aos 15 anos no início da carreira; os professores portugueses são dos europeus que mais têm de trabalhar para chegar ao topo da carreira segundo o relatório da OCDE "Education at a Glance 2022".

Se a devolução faseada tivesse começado em 2019 conforme proposta chumbada no Parlamento, o assunto estava resolvido, mas é bom recordar que PS, PSD e CDS juntaram-se para o impedir, isto depois da direita ter votado favoravelmente na especialidade, o que permitiria a aprovação. Assistimos agora a este triste jogo com o tempo, para deixar cada vez mais pessoas de fora, depois de uma campanha eleitoral com tantas promessas.

Não podemos esquecer que o problema central das escolas portuguesas, a falta de professores, se irá agravar pela idade dos quadros e pela dificuldade de renovação. Sem uma carreira digna não se atraem novos jovens, sendo imperioso discutir a melhoria das condições profissionais e de trabalho, que possam melhorar a Escola.

Em vez de estarmos a negociar uma verdadeira reparação de injustiças, bem como medidas que possam tornar a carreira mais digna e atrativa para o futuro, temos o Governo a pressionar um caminho de mitigação de um roubo feito à classe docente portuguesa, fingindo que negoceia e que dá alguma coisa, quando na prática joga com o passar do tempo e tenta fazer descontos em compensações anteriormente legisladas noutra matéria.

Este início de “negociação”, acompanhado com o discurso da “tanga” do próprio Governo, faz-nos recordar outros tempos de governação e deixa-nos imensamente pessimistas em relação ao processo negocial em curso e à efetivação de medidas estruturais numa carreira que atraia profissionais e no investimento que qualifique a Escola Pública.

Foto de Katerina Holmes:

https://www.pexels.com/pt-br/foto/mesa-escolar-com-cadernos-em-sala-de-aula-moderna-5905435/


segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Horários da Educação Especial não podem pôr em causa o apoio aos alunos com dificuldades acentuadas.

Nos artigos 8º a 12º, do decreto-Lei n.º 54 de 2018, a intervenção direta dos docentes de educação especial, DEE, é mobilizada para alunos com necessidade de Educação Especial e Medidas Adicionais, que terá 22 horas letivas, quer seja em turma, em grupos de nível, unidade especializada, ou outros contextos educacionais e sociais.

Com o desafio de uma presença mais efetiva dos alunos com dificuldades acentuadas em turma e em contextos sociais ricos e inclusivos, há necessidade de mais tempo de acompanhamento direto de profissionais.

Na componente não letiva, a lei atribui-lhes responsabilidades na avaliação especializada dos alunos sinalizados, fazendo parte da equipa variável da EMAEI, onde articulam com os restantes intervenientes, técnicos, docentes, instituições, entre outros, bem como na elaboração dos RTP, PEI e PIT, e acompanhamento da implementação das respetivas medidas.

É necessário ainda ter em conta que, tendo os DEE direito a redução da componente letiva, muitos Agrupamentos estão a completar a componente não letiva com apoios, o que resulta na prática, no preenchimento das mesmas 22 horas com alunos.

Não nos podemos esquecer que o trabalho direto com alunos, exige preparação e planificação, à semelhança dos restantes professores, sendo necessária uma carga horária correspondente na CNL, no âmbito das 35 horas totais.

A isto acresce o baixo número de DEE em cada Agrupamento, o elevado número de alunos na componente letiva e não letiva e toda a sobrecarga que isso acarreta. Somam-se muitas situações de itinerância entre estabelecimentos devido à dispersão geográfica e o número de escolas em muitos locais. Não havendo equipas multidisciplinares, psicólogos e assistentes operacionais para uma intervenção de equipa, o trabalho dos DEE torna-se ainda mais isolado e difícil, com consequências na qualidade do apoio específico.

De acordo com investigação, a especialidade das funções, tem uma componente colaborativa forte, bem como acarreta a necessidade de acumular experiência em conjunto com os colegas ao longo do tempo. O isolamento é um entrave à troca de experiências e desenvolvimento profissional e a inexistências de equipas técnicas reflete-se também negativamente no apoio adequado que o próprio docente necessita.

Todos os professores são professores de inclusão

Mas, para além do referido anteriormente, as funções atribuídas ao DEE contêm uma outra componente mais ampla, que envolve o apoio à aprendizagem e à inclusão, no acompanhamento mais geral de cooperação e articulação com órgãos, docentes, equipas multidisciplinares e serviços da comunidade, “enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação dos meios e materiais de aprendizagem e de avaliação”.

Esta dimensão é apresentada no preâmbulo da lei como um “reforço” da intervenção dos DEE. Isto resulta na exigência de que, para além das 22 horas de trabalho direto com alunos e da CNL correspondente, estes professores tenham de colaborar com as estruturas escolares em processos de inclusão e estratégias de diferenciação, para a generalidade dos alunos, concretamente os que beneficiam de medidas seletivas e universais. Resta saber quando, como e onde, poderá o professor desenvolver a tal componente mais ampla de promotor da inclusão.

Este tipo de atribuições não podem ser exclusivas do DEE, pois todos os professores são professores de inclusão e todos devem ter momentos de articulação e reflexão para esse desígnio, sem que isso tenha consequências no tempo disponível para apoiar diretamente os casos que necessitam.

Não é adequado dispersar as funções a tal ponto, que se possa perder o foco do essencial sob pena de colocar em causa a qualidade do trabalho destes professores. É necessário ter em conta, os desafios da profissão, já de si complexos e exigentes dada a diversidade das necessidades dos alunos com intervenções intensivas, a falta de recursos adequados, a formação específica diversa e o excesso de documentação e burocracia.

Por tudo isto, a gestão da componente letiva e não letiva tem de ser realista e suficientemente flexível para o que se pretende. Um conjunto tão vasto de funções, não pode assentar numa sobrecarga de trabalho e de horas, que facilmente excedem o limite, ou que tenha custos na resposta específica a alunos, sob o pretexto de que agora os DEE são para uma ideia generalista de inclusão.

A desejada flexibilidade de horário deve ter em conta as diferentes realidades dos Agrupamentos, definindo o que se pretende de cada DEE e quanto tempo é necessário para as suas atribuições, dentro de um desígnio tão exigente e ambicioso, sem perder de vista a intervenção direta nos casos de alunos com necessidades específicas graves, acompanhando seus professores e pais.

Reforçar e ampliar as competências por via da lei, não pode colocar em causa o cumprimento dos horários laborais e deve ter um correspondente reforço de recursos, nomeadamente o aumento do número destes profissionais em cada escola e a existência de recursos e equipas, de acordo com as necessidades reais.

Artigo Publicado na Revista do SPGL, Escola Informação, dezembro 2023.


Foto de Julia M Cameron: https://www.pexels.com/pt-br/foto/teclado-apple-comunicacao-conversa-divulgacao-4144923/




segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Ministério da Educação na despedida: desencanto docente, falhanço negocial e soluções adiadas.

Este Governo despede-se deixando todos os problemas da Educação Pública por resolver, após o falhanço negocial para valorizar a carreira e as condições de trabalho dos professores. Focou-se no ataque ao direito à greve e deixa como herança uma carreira destroçada, uma classe desiludida e desmotivada, bem como largas dezenas de milhares de alunos sem aulas. Para responder à crescente falta de professores tem para apresentar a possibilidade de se poder dar aulas sem habilitação para a docência. A batata quente passa para o senhor que se segue, resta-nos assistir ao patético desfile de promessas eleitorais daqueles que, no passado, sempre se juntaram para negar justiça aos docentes.


Foi promulgado neste final de novembro de 2023 o Decreto-Lei n.º 112/2023 de 29 de novembro, que altera o regime jurídico da habilitação para a docência no pré-escolar, básico e secundário, abrindo a possibilidade de se dar aulas sem profissionalização, ou seja, sem se ser professor. Este recurso a habilitações próprias, estagiários e a jovens sem licenciatura completa, para além de anacrónico, visa facilitar o acesso, mas, na realidade, corresponde a um retrocesso, que vai colocar em risco a qualidade do ensino, bem como abrir a porta para a desvalorização da profissão, criando uma escola pública de serviços mínimos, desigual e com futuro incerto.

Tem ainda o efeito pernicioso de criar nas escolas a figura do professor orientador mais experiente, que apenas visa sobrecarregar ainda mais os professores, já desgastados e com excesso de atividades burocráticas, sem contrapartidas monetárias. Cria-se um sistema de facilitação para dar aulas, assente em jovens descartáveis e na sobrecarga de trabalho dos professores, a custo zero.

 Na mesma semana o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de novembro, declarou ilegais os serviços mínimos impostos à greve às avaliações sumativas finais dos anos com provas finais ou exames do 9.º, 11.º e 12.º anos.

Esta decisão veio juntar-se a todas as outras, que também consideraram ilegais os serviços mínimos decretados em 2023, numa tentativa patética do Ministério para esvaziar a luta dos professores que se mobilizaram na rua e nas escolas a níveis extraordinários na defesa da Escola Pública. Apesar das ameaças de processos disciplinares e perseguições, no final prevaleceu a justiça e a legalidade, deixando a nu até que ponto vai um Governo para cercear a liberdade sindical e a legitimidade constitucional do protesto de uma classe.

 Estas duas notícias de final de novembro, mostram bem a marca que deixa este Ministério na Educação em Portugal. Incapaz de resolver o problema mais que anunciado da falta de professores e falhando nas negociações com todos os sindicatos, despede-se com uma medida de remendos que baixa as habilitações para a docência e deixa uma imagem de quem recorreu a todo o tipo de expedientes para denegrir e insultar os professores, em vez de focar a sua energia num acordo que pudesse melhorar as condições nas escolas e preparar um futuro melhor na Educação.

 Não se captam professores sem uma carreira justa e atrativa

 Em outubro eram já mais de 1200 as pessoas a dar aulas sem habilitação, mas o número tende a aumentar à medida que o ano letivo avança com as substituições e as reformas, sem que haja professores habilitados disponíveis. Este ano de 2023 reformaram-se já 3.521 professores, um aumento de quase 50% em relação ao ano passado, prevendo-se que até 2030 se aposentem mais de metade, num universo total de 150 mil docentes.

 O ano letivo começou com largas dezenas de milhar de alunos sem aulas devido à falta de professores e não devido a greves, como se tentou fazer crer ao longo de 2023.

O falhanço das negociações, não é uma fatalidade, representa sim a recusa em investir na escola pública e, com isso, criar as bases para um sistema dual, que alimenta o ensino privado.

 Um professor leva em média 15 anos como contratado. Mais tarde, é bloqueado em dois, dos dez escalões, onde apenas 25% progride e os restantes esperam vários anos pela sua vez.  Se a isto somarmos os mais de seis anos de congelamento, temos uma carreira que não avança, onde o salário está muito abaixo dos anos efetivamente trabalhados e consequentemente, uma reforma a meio da tabela, que nem paga a mensalidade de um lar.

 Houve também um ataque mais vasto à classe, colocando em dúvida a sua idoneidade, difamando os seus profissionais, precarizando-os, desvalorizando a carreira, atacando-os na sua luta, atafulhando-os de trabalho inútil e penalizando-os, como no caso da mobilidade por doença, que deixou vulneráveis milhares de docentes com doenças graves ou pessoas a cargo.

 Esta degradação das condições de trabalho não é compatível com a necessidade de atrair novos profissionais e qualificar o ensino. Sem uma carreira justa, não há novos professores e não se fixam os que estão, nem tão pouco se incentiva o regresso dos milhares que já abandoaram.

Gestão economicista dos recursos humanos, mascarada de inevitabilidade.

Tenta-se fazer crer que a falta de professores é uma inevitabilidade em todos os países, mas não é o que se verifica quando olhamos o percurso de decisões desastrosas na gestão da educação em Portugal.

 Desde há 15 anos difundiu-se a conveniente ideia, que haveria excesso de professores, centrando a gestão da educação em critérios economicistas. Aumentaram os alunos por turma, diminuíram os professores, degradou-se a carreira e os salários, dificultou-se o acesso aos quadros, incentivando a precariedade da chamada “casa às costas”.

 Em 2022 existiam 33 mil professores precários, mais de 20% do total. Números completamente inaceitáveis num sistema público onde o próprio Estado promove a precariedade e os baixos salários. Cada professor ganhava em 2022, em média, menos 6%, que há quinze anos atrás e passou a ter uma carreira contributiva com mais 5 a 10 anos, devido ao aumento da idade de reforma, a par da injustiça do fator de sustentabilidade.

 Tudo isto resultou num abandono precoce da profissão de pelo menos mais de 10 mil profissionais na última década, devido a desgaste, precariedade e desilusão. Profissionais que nunca mais regressaram a um sistema com crescente falta de professores, onde os alunos aumentaram e não foi acautelada a formação em número suficiente para as previsíveis saídas.

Para além do falhanço na gestão dos recursos no serviço público, este Ministro deixa a classe mais envelhecida da União Europeia completamente desmotivada, desiludida, com sinais claros de exaustão, sem perspetivas de carreira e com ordenados abaixo do que seria justo.

Eleitoralismo dos que nunca estiveram do lado da solução

Ficam adiadas as soluções para um próximo Governo, que vão muito além da devolução do tempo de serviço, agora acenado como promessa eleitoral daqueles que no passado nunca estiveram do lado da solução para os problemas difíceis que a Escola Pública enfrenta.

Um dos candidatos à liderança do PS e ex ministro Pedro Nuno Santos, acaba de admitir publicamente que afinal é a carreira dos professores que está em desvantagem em relação à restante função pública, onde já ocorreu recuperação do tempo congelado e não o contrário como foi amplamente propagado. Foi preciso haver eleições para se admitir publicamente o que sempre foi óbvio, deitando por terra a falácia de que dar justiça aos professores iria criar desigualdades nas restantes carreiras. Foi o vale tudo, mas os professores têm memória.

Não esquecemos que em 2011 Passos Coelho mandou os professores emigrar e disse, em 2013, que havia professores a mais, sendo secundado por Nuno Crato (2012) e Rui Rio em 2019. Também Tiago Brandão Rodrigues negou sempre a falta de docentes. Em maio de 2019 PSD e CDS, juntaram-se ao PS para chumbar a proposta de reposição total do tempo de serviço. Sem maioria do PS, o problema tinha ficado resolvido.


Também não esquecemos que em 4 de dezembro de 2020, foram discutidos na AR três projetos de Resolução do BE, PCP e PAN, de melhoria das condições da escola pública, por iniciativa da “FENPROF”, onde, para além da recuperação do tempo de serviço se propunha o combate à precariedade e criação de um regime de concursos justo; a eliminação da barreira no acesso aos 5.º e 7.º escalões; o rejuvenescimento da classe docente e um regime específico de aposentação; bem como o cumprimento das 35 horas semanais com a clarificação da componente letiva e não letiva. Todos os projetos foram chumbados por PS, PSD e CDS-PP e nessa altura também não havia maioria absoluta do PS. Por estes exemplos, sabemos quem sempre se juntou para negar justiça aos docentes.

Chegados aqui, com eleições marcadas, nada mudou na carreira dos professores, que mantem todos os estrangulamentos, ultrapassagens e injustiças, a par das más condições de trabalho e perda de rendimentos. Não se investiu na qualificação do ensino público, não se salvaguardaram as condições de trabalho, não se promoveu o respeito pelos docentes, nem o diálogo social, pedras basilares da qualificação do sistema.

Em Portugal ficou tudo por fazer, cabendo agora ao país decidir se mantemos uma gestão lesiva da escola pública, cada vez mais fragilizada e em risco de se tornar num serviço mínimo reprodutor de desigualdades e injustiça social.


Imagem de Pexels em Pixabay


domingo, 12 de novembro de 2023

Saúde mental e desenvolvimento social: as maiores faturas pagas pelos alunos com NE após pandemia.

Na avaliação da Educação Especial, fica claro que o confinamento, as regras de distanciamento, o isolamento social e o medo, aumentaram os problemas de saúde mental de crianças e adolescentes, para além de afetar as aprendizagens. A UNICEF (2021) estima que mais de um em cada sete crianças e jovens dos 10 aos 17 anos, sofre de problemas emocionais e que serão necessários muitos anos e investimento significativo para os resolver.

A mesma entidade refere que no caso dos alunos com perturbações no desenvolvimento, esse preço foi maior, dado que despoletou ou agravou muitas das situações de déficit de atenção com hiperatividade, ansiedade, autismo, transtorno bipolar, transtorno de conduta, depressão, transtornos alimentares, deficiência intelectual e esquizofrenia.

Um outro aspeto negativo é o défice de experiências de socialização, de acesso aos contextos naturais e a atividades sociais, bem como aos grupos de referência; fundamentais para uma construção da personalidade, identificação e desenvolvimento de capacidades, quer na escola, como fora dela, onde a pobreza e a língua materna, quando associados, agravaram mais as desigualdades gritantes que se verificaram.

No caso de crianças com deficiência intelectual, transtornos de aprendizagem ou perturbações da comunicação e comportamento, tudo se agrava, devido a uma maior necessidade dessas vivências para o seu desenvolvimento. O isolamento, o acesso muito deficitário às aprendizagens e todo o afastamento promovido, não permitiram um crescimento adequado nessas áreas, no período etário ótimo para tal.

Mesmo no ensino a distância, os alunos com necessidades específicas não tinham autonomia, nem competências digitais para participar e as famílias não puderam compensar.

Na área da Inclusão e da Educação Especial o desenvolvimento da autonomia, da comunicação, da motricidade e da área socio emocional, constituem a maior fatura paga por estes alunos.

A própria máscara usada por muito tempo, inibe a concretização da comunicação e da aprendizagem social essenciais nos primeiros anos de vida, bem como nos alunos com atraso no desenvolvimento, que necessitam dessa forma de comunicação e de estabelecer relações e aprendizagens sociais.

Para além de toda a aprendizagem em contexto perdida, que é a mais rica e eficaz, foram também postas em causa competências básicas comportamentais que predispõem para a aprendizagem, bem como a leitura, a escrita, a manipulação, a realização de atividades práticas e funcionais, ou o acesso ao lúdico.

Neste momento torna-se fundamental um reforço de meios e ações para implementar respostas de equidade, não só para o insucesso e défices na aprendizagem, mas também para o apoio psicossocial.

O Plano de Recuperação ficou muito aquém do necessário face ao diagnóstico traçado e o anúncio da sua continuidade é contraditório com a diminuição de crédito horário e a dificuldade em dispor de AO, entre outros recursos necessários.

Não podemos ter um investimento remediativo pontual, mas sim uma aposta estrutural, continuada e consistente, em recursos e áreas como:

- Professores Especializados; Psicólogos; Terapeutas, Assistentes Sociais e Assistentes Operacionais, para reforçar os processos de inclusão e aprendizagem, de saúde mental e de competências na área social;

- Equipas multidisciplinares como o CRI, devem estar inseridas nas estruturas do ME e não ser contratualizadas externamente sem ligação às dinâmicas pedagógicas. Em vez de investir na inclusão em ambiente escolar, o Estado financia a exclusão.

- Equipas de Intervenção Precoce, fundamentais para o apoio nos primeiros anos de vida, mas que não dão resposta às solicitações, padecendo de falta de meios e recursos.

- Crédito horário reforçado para apoios, parcerias e coadjuvações, no âmbito das dificuldades de aprendizagem decorrentes da diversidade linguística e cultural, bem como constrangimentos sociofamiliares, económicos ou outros.

- Redução do número de alunos por turma e classes de um só ano, para permitir um trabalho mais individualizado e mais tempo de permanência em turma dos alunos com NE.

"Artigo publicado na revista "Escola Informação" do SPGL em outubro 2023"


Imagem de Alexandra_Koch por Pixabay


terça-feira, 24 de outubro de 2023

Educação Inclusiva 5 anos depois: Faltam recursos para a equidade e o combate às desigualdades, num sistema educativo que não se apropriou dos princípios da inclusão.


Na reflexão sobre o Regime de Educação Inclusiva decretado há 5 anos, constatamos a necessidade de avaliar de forma independente as suas consequências na nossa realidade diária das escolas e reformular muitos aspetos que dificultam a sua implementação e causam desigualdades.  Emerge também o perigo de retrocesso, quando não se investe e se apregoa uma ideia genérica de inclusão, tornando alunos invisíveis com respostas genéricas, sem garantir a equidade que cada aluno exige, bem como uma correta afetação de recursos e respostas específicas para populações específicas.

 

Carência de recursos para a Inclusão de alunos invisíveis

Cinco anos após a implementação do Regime de Educação Inclusiva pelo Decreto Lei n.º 54, ficou patente que as escolas não foram dotadas dos recursos necessários para desenvolver políticas e práticas de equidade. Faltam recursos humanos para parcerias, apoio educativo, língua não materna, ou tutorias. Faltam professores especializados em educação especial, psicólogos e técnicos; ou ainda assistentes operacionais para acompanhamento dos alunos com deficiência ou perturbações graves, a necessitar de apoios diretos no âmbito da escola e da sua participação em atividades da escola e da turma.

Sabemos que o número de alunos aumenta, mas sem recursos não se consegue implementar uma política efetiva de apoio à diversidade, especialmente num ano em que se anunciam cortes no crédito horário. Se a tudo isto somarmos o aumento dos alunos por turma e a falta de professores, estamos em risco de ter decretado um regime de inclusão, numa escola de serviços mínimos, que exclui.

Por seu lado, os professores de educação especial viram a sua função diluída numa proposta de intervenção supostamente inclusiva, onde as suas competências centrais são de acompanhamento genérico indireto como especialistas de métodos e meios, junto da escola e dos colegas; mas deixa em aberto a sua principal função de interventores diretos nos processos de apoio, desenvolvimento e educação de alunos com necessidade de educação especial, nomeadamente os que apresentam necessidades específicas, decorrentes de deficiência ou perturbação grave e cujo sucesso depende de um conjunto de conhecimentos, estratégias e materiais específicos, que fazem parte do corpo de conhecimento específico da disciplina de Educação Especial.

A ausência de equipas multidisciplinares criadas no seio do sistema educativo, dificulta uma resposta consistentes e eficaz no ensino público, que possa ser sentido como uma alternativa à institucionalização, o que leva muitas famílias a contratualizar particularmente esses apoios, criando desigualdades sociais. O próprio Ministério da Educação externaliza a contratação desses técnicos, em vez de criar respostas integradas dentro do ensino público.

Ao substituir uma lei que estabelecia um regime de Educação Especial, por outra que decreta um regime Inclusivo, sem cuidar das funções e das necessidades de quem precisa de Educação Especial, não se estão a acautelar as especificidades concretas e realistas de uma população, mas sim a torná-la invisível. Veja-se a ausência de nomenclaturas e a forma genérica como os alunos são classificados, sabendo-se que não é possível mobilizar apoios e recursos adequados para determinadas populações. Deixamos de saber quais as necessidades dos alunos e que tipo de respostas específicas necessitam.

Este quadro de diluição e invisibilidade pode ter consequências graves na ausência de capacidade da escola em se tornar eficaz para todos, quer pela utilização de categorizações sem sentido, quer pela ausência de avaliação competente, quer ainda, pela forma genérica como depois as medidas e os recursos são atribuídos, o que resultará numa desadequação dos mesmos.

Seria uma grande desilusão constatarmos que afinal, um suposto Regime Inclusivo, resultou na prática, como uma forma de poupar despesa na educação, diminuir recursos e retroceder na oferta pública inclusiva para todos, sem exceção.

Por tudo isto é fundamental definir o estatuto da Educação Especial e seus profissionais, nas vertentes de apoio à inclusão dos alunos com Necessidades Específicas; bem como de apoio direto e acompanhamento dos que necessitam de Educação Especial.

 

Não podemos promover a Inclusão a custo zero, pelo que urge dotar as escolas com recursos humanos, nomeadamente docentes especializados, mas também assistentes operacionais, de acordo com as necessidades de cada escola, nomeadamente para os alunos com deficiência e perturbações acentuadas;

 

Por fim, é necessário contratar equipas multidisciplinares de técnicos e terapeutas em número suficiente, mas no âmbito dos Agrupamentos de Escolas, permitindo a sua inserção nos objetivos e dinâmica de cada Agrupamento, integrando e investindo igualmente na Intervenção Precoce como parte integrante do sistema educativo.

 

Quanto aos investimentos necessários para promover a Inclusão nas Escolas, ficamos mais um ano adiados. O aumento de financiamento das equipas dos CRI e das instituições sociais e privadas, previsto no Orçamento de Estado para 2024, é uma atualização meramente compensatória de uma série de anos sem atualização de verbas e é dinheiro que vai direto para instituições e não para os Agrupamentos. Perpetua-se uma visão terapêutica das necessidades específicas, inclusivamente no seio das próprias escolas, em vez de promover o enriquecimento de equipas educativas autónomas nos contextos naturais de aprendizagem.  Prega-se a inclusão, mas financia-se um modelo assistencial que exclui.

 

Já é tempo de avaliar e reformular o quadro legal existente

O Regime Jurídico da Educação Inclusiva, pretendeu estabelecer um conjunto de alterações no sistema de ensino através do reforço e generalização de práticas e das conceções pedagógicas inclusivas, sem conseguir uma verdadeira visão integrada dos valores inclusivos nas diversas dimensões.

A inclusão não é um conjunto de medidas remediativas, nem algo artificial ou imposto e muito menos pode ser decretada como uma espécie de projeto ou plano para alguns alunos. A Educação Inclusiva é um dos princípios que devem estar na base de todas as leis, de todos os projetos, de todas as decisões e de todas as ações.

Não se promove uma Escola Inclusiva num documento legal que se destina a “cluster” de alunos em dificuldade, desarticulado com os documentos estruturantes do sistema educativo.

Essa proposta legislativa não partiu da necessidade das escolas, nem de uma avaliação da anterior, de forma a que pudesse refletir mudanças necessárias da realidade e ser apropriada pelo sistema como uma transição natural. Daqui resultou uma aplicação pouco inclusiva e artificial de cima para baixo, que origina enormes discrepâncias na interpretação e na sua aplicação pelo país.

A forma como alguns aspetos da legislação estão a ser interpretados, como as EMAEI ou os CAA, demonstra a artificialidade destas estruturas e a ausência de reais competências próprias, fomentando a retirada das mesmas de outras estruturas já existentes, entrando em conflito com estas.

Inibe que se desenvolva uma gestão inclusiva nos cargos e estruturas naturais de decisão onde efetivamente as diferentes competências já são geridas, bem como a melhoria dessa dinâmica natural de gestão, que os diferentes patamares e órgão de gestão da escola já têm.

Querer decretar a inclusão sem dotar as escolas de recursos e sem olhar toda a escola e todos os professores como agentes de inclusão, é outro motivo de preocupação, que deveria motivar uma avaliação séria, já que não seria a primeira vez que se perderia uma oportunidade de colocar a Educação Inclusiva na agenda educativa, sem sucesso.

Por isso, é importante avaliar de forma independente a aplicação da lei, verificando o que não resultou, o que está a mais e o que fez na melhoria da inclusão dos alunos, na diferenciação do ensino e no desenvolvimento de respostas para a diversidade e sucesso. Tornar a legislação coerente e articulada, generalizando os princípios de uma educação inclusiva a todos os setores e documentos estruturantes do sistema educativo, nas suas diferentes dimensões de gestão, organização, formação de professores, legislação, autonomia, avaliação e prática e não apenas a uma lei setorial, que se confunde com um conjunto de medidas para determinados alunos.

Continua a haver muita necessidade de formação para os agentes educativos nesta área, generalizando os princípios da educação inclusiva, apresentando-os de forma acessível, facilitadora da sua implementação, para ter real impacto na prática letiva, no pressuposto que todos os docentes devem pautar-se pelo princípio da inclusão.

Por outro lado, não se implementa uma educação inclusiva sem dar autonomia financeira e decisória às escolas e seus professores, para serem eficazes e definirem os seus próprios projetos de inclusão, dotando-as de mecanismos de regulação e dos meios necessários para tal, contrariando uma normalização centralizadora, que apenas resulta em respostas formatadas.

Por fim, e não menos importante, não cabe apenas à escola este desígnio. É necessário articular estes princípios com as respostas pós escolaridade obrigatória, para que a vida de muitos jovens não acabe por ser ficar em casa, ou na lista de espera de um lar ou CAO. É importante envolver empresas, instituições e forças locais para que esta intenção não se fique apenas num setor, enquanto o país continua a gerir muito mal os processos de inclusão dos grupos em risco de exclusão e das camadas mais desfavorecidas.